BEC DOS PEIXINHOS
(Demitri Túlio)
Sinto falta de retratos que não bati em alguns
lugares, situações ou ao lado de ilustres desconhecidos de Fortaleza. Criaturas
que não existem mais. É certo, lá em casa não tinha grana sobrando para bater
fotos. E, também, a fotografia não era prioridade para meu pai, mamãe, meu vô e
vovó. Não havia álbum. Aqui acolá, dentro de uma Bíblia sem uso ou livro
deslembrado, me surpreendia com uma imagem envelhecida no preto e branco. Vez
em quando refaço caminhos que eu ia, na meninice, pelo Centro. Por ali, refúgio
inquieto de trocentas recordações, tenho a impressão que tirei inúmeras fotos e
elas se perderam nalgum caminhão de mudança. Não me conformo, por exemplo, de
não ser parte de um registro fotográfico no tanque ladrilhado do BEC dos
Peixinhos. Na Barão do Rio Branco, 1288, hoje Bradesco.
E por mais que tenham insistido, não conseguiram pegar como Bradesco dos Peixinhos. Por que gostar do BEC? Talvez porque meu avô, inspetor aposentado da antiga Guarda Civil, recebesse seu fim mês por lá. Ou saber que um tio, Zé Coelho, era caixa do Banco do Estado do Ceará. Fama de rico na família. Dono de uma Kombi e generoso com o Flávio Jacinto, o ascensorista do elevador. Não ter uma foto no BEC dos Peixinhos? Sentado naquela cacimbinha de azulejos? Carás brancos pra lá e pra cá! Não ter os risos dos filhos perguntando sobre aquela marmota de tempo, aquele menino só o couro e osso, aquela roupa ridícula, aquele cabelo encaracolado? O senhor ia sozinho para o banco? De ônibus ou táxi? Lá era perto de onde se tomava caldo de cana com pastel? Quando tinha assalto, os ladrões também levavam os peixes? Outro canto, que hoje desejo uma imagem e não há, é a toca onde onça parda era prisioneira, no Parque da Criança. A pequena torre, na época enorme aos olhos dos miúdos, ainda hoje existe. Uma masmorra apertada, quente e feita de pedras por fora. Judiação pra ela, mas coisa do outro mundo para meninos e meninas. O bicho era meio triste. Língua sempre cansada e deitada ao lado de ossos e um fedor de quem é detento.
E por mais que tenham insistido, não conseguiram pegar como Bradesco dos Peixinhos. Por que gostar do BEC? Talvez porque meu avô, inspetor aposentado da antiga Guarda Civil, recebesse seu fim mês por lá. Ou saber que um tio, Zé Coelho, era caixa do Banco do Estado do Ceará. Fama de rico na família. Dono de uma Kombi e generoso com o Flávio Jacinto, o ascensorista do elevador. Não ter uma foto no BEC dos Peixinhos? Sentado naquela cacimbinha de azulejos? Carás brancos pra lá e pra cá! Não ter os risos dos filhos perguntando sobre aquela marmota de tempo, aquele menino só o couro e osso, aquela roupa ridícula, aquele cabelo encaracolado? O senhor ia sozinho para o banco? De ônibus ou táxi? Lá era perto de onde se tomava caldo de cana com pastel? Quando tinha assalto, os ladrões também levavam os peixes? Outro canto, que hoje desejo uma imagem e não há, é a toca onde onça parda era prisioneira, no Parque da Criança. A pequena torre, na época enorme aos olhos dos miúdos, ainda hoje existe. Uma masmorra apertada, quente e feita de pedras por fora. Judiação pra ela, mas coisa do outro mundo para meninos e meninas. O bicho era meio triste. Língua sempre cansada e deitada ao lado de ossos e um fedor de quem é detento.
Falo tanto da novidade
na chegada de escadas rolantes em Fortaleza, no Centro. Das “enormes” na
Americanas, das apertadas na Lobras, das entanguidas e aveludadas no Romcy. E
não tenho como provar que brinquei de subir pelas que desciam e de descer pelas
que subiam. Filme era caro e máquina um luxo. Com uma Love poderia ter feito
fotos desimportantes para a história dos Estados Unidos. Mas pra mim... Tomando
café com pão na hora de Shazan e Xerife. Em cima da goiabeira com meus irmãos.
Minha mãe de resguardo, de pantufas róseas, e eu espiando. Os rachas e eu
achando que era Zico, Sócrates e Reinaldo. Da hora que corríamos para comprar
picolé rabo-de-cabra na carrocinha da Q-Mel! da Q-Bom! Do nêgo véio, com bafo
de cachaça, que esgotava a fossa lá do quintal. Há uma imensidão de fotografias
que não tirei, mas parece que tenho em álbuns. No lombo do Jumbo (na verdade
uma aliá) trazido pelo Pão de Açúcar, na inauguração do Center Um. Os cangurus
que o Romcy trouxe pra Cidade esquecer o elefante. Dos carros de meu pai. No
capô, na direção ou ao lado dele. A Vemaguet dois tempos. As kombis das bananas
do Maranguape. O Dodge Polara que vivia no prego e a gente empurrando. O
Chevette que não podia ver chuva. O Passat lascado que voava as bandas no
calçamento. Um Simca Chambord emprestado do patrão. Todos os inesquecíveis
fuscas e um especial: marrom creme, Fafá de Belém, que tinha um caranguejo
dentro da bola da marcha.
Falta aqui o mirante peba do aeroporto velho e os
passageiros na pista. Da Escola Profissional no Porangabussu com a irmã Maria
do Carmo. Da rua Tavares Iracema e a bodega do seu Geraldo. Do Buick, o
cachorro abestado. Do sepultamento de pintos em latinhas vazias de sardinhas 88,
no quintal da Tavares Iracema. Da estrada de Camocim em tempo de férias e
quando as aulas, finalmente, acabavam. Da travessia na Barra do Ceará e meu avô
pescando nas salinas. Do beijo das meninas que eu queria ter beijado (e das que
eu beijei)...
Postado por Tadeu Nogueira às 07:12h
Texto publicado no Jornal O Povo de hoje pelo Jornalista Demitri Túlio