Na última vez que estive com Seu Artur Queirós, no final de 2010, entre vários assuntos, acabamos tocando no tema “ética”, referindo-se a certos atos que custam ao povo o atraso e à História, o descaso. Foi em meio a essa conversa que Seu Artur disse: “ – Escrevi umas coisinhas sobre isso em setembro de 2008, citando até uma inexplicável mudança de nome de uma rua do centro, além de outras coisas. Vou enviar uma cópia escrita pra você”. Pois muito bem, as “coisinhas” que ele escreveu chegaram poucos dias depois num papel bem simples, como tudo que vinha dele, mas de uma riqueza de conteúdo impressionante, como de costume. O artigo "Ética" está foi publicado pela primeira vez na internet, através do Camocim Online, na edição de 28 de Abril de 2011. Vale a pena ler de novo, para que já leu, e muito mais, para quem ainda não teve essa oportunidade.
ÉTICA
(Artur Queirós)
Mandam à ética e os bons costumes que os órgãos públicos dos municípios, dos Estados e da República mantenham nas competentes repartições livros especiais contendo nomes de ruas, estatuas e prédios históricos, como escolas, bibliotecas, creches e outros, para que os locais e especialmente os visitantes, especialmente em cidades turísticas, como pretende ser Camocim, possam informar-se sobre as origens de tais ruas, monumentos e prédios.
A ética social, segundo os dicionaristas, ‘é a parte da Filosofia que indica as normas a que devem todos ajustar-se entre os diversos membros da Sociedade.”
E não precisam ser ricos ou pseudo-importantes, visto que pessoas pobres, porém honradas, podem, com justo aplauso, pertencer ao elenco dos merecedores da distinção coletiva, que descarta cor e instrução, para receberem o galardão do mérito, podendo ser o humilde lixeiro que encontrou bom dinheiro e o levou a seu dono, espontaneamente, devolvendo-o sem nada exigir como recompensa, praticando uma ação nobre, heróica e aplaudida.
Luís de Camões, o imortal autor do poema épico “Os Lusíadas”, cultivou a língua portuguesa e suas regras, observou a maneira de ser usada corretamente. Até hoje, homens cultos em literatura não ousam modificá-las em sua essência. E Camões era pobre e morreu na dependência da caridade pública, inclusive ajuda da Coroa de Portugal. Seu nome é reverenciado no mundo inteiro e o tempo não ensombra seu mérito, que não envelhece apesar de passados cinco séculos. Continua vivo e heroicamente aplaudido.
Aqui mesmo em Camocim existem pessoas pobres, mas dignas, que prestaram, na sua simplicidade, serviços nobres à coletividade, com o desprendimento justo, assim como o Mestre Isídio, que perambulava pelas fazendas dos coronéis do mato, ensinando a seus filhos a ler e escrever, tal como fazia Mestre Chico Rodrigues, lembrado pelo tempo da palmatória, o que faz recordar a léria chistosa de que “a noz, o sino, o burro e o preguiçoso, sem pancada nenhuma faz o seu ofício”.
Na esteira dos humildes merecedores de aplausos, vamos encontrar ainda Jacinto do Cartório, de quem já falei em outra crônica, e o Piluca (Manuel Piluca), que dia e noite lutava a transpor gente na travessia do nosso rio, salvando muitas vidas que necessitavam de urgente socorro médico, assim como salvou muitas criancinhas e mães pobres, em dificuldade de parto, a qualquer hora do dia e da noite, assim como vários outros que, na sua simplicidade, praticaram ações nobres, e nem por isso receberam qualquer honraria por parte dos nossos ilustres legisladores a autoridades.
A ética, segundo Platão, provém de seu mestre, o sábio grego Sócrates, que instituiu o curioso sistema de ensino chamado maiêutica socrática.
O Dr. Domingos José Nogueira Jaguaribe foi conceituado jurista cearense e Juiz de Direito que bons serviços prestou ao Ceará e ao Brasil, cujos méritos o levaram à influente posição de Senador do Império e Ministro. Na seca de 1919, ele ajudou ao incipiente povo de Camocim, que foi beneficiado com a construção da chamada “cacimba do padre”, ali por traz da igreja Matriz, cuja altura era mais de dois metros, fechada por paredes e coberta, sendo a água retirada por uma janelinha cá mais em baixo, e ainda mandou vir um catavento, pois não existia luz elétrica, para bombear a água da cacimba e servir ao povo, cujo beneficio durou muitos anos depois da seca, pois usavam a água da “cacimba do padre”, que era transportada em lombo de jumento, em ancoretas e em grandes barris que rolavam pelo chão e que vendiam nas casas.
O povo de Camocim, agradecido, deu o nome de seu benfeitor a uma das principais ruas da cidade, nome que se tornou muito conhecido. Faz pouco tempo, a Rua Senador Jaguaribe teve seu nome trocado pelos despreparados legisladores de Camocim. O povo, todavia, reagiu e não aceitou a indigna troca e continua chamando a dita Rua de Senador Jaguaribe.
Enquanto isso, o Marquês de Maricá sentenciava, repetindo as escrituras: “Louvor de boca própria é vitupério”.
E Cícero, o célebre orador romano, no senado de seu tempo fustigava Catilina, o corrupto e audaz mentor do vandalismo: “A ignorância é a noite do espírito, noite sem lua e sem estrelas.”
Enfim, cada município tem a Câmara de Vereadores e “autoridades que merece”. E Camocim, infelizmente, não foge à regra!
Artur Queirós (Historiador e Escritor Camocinense)
Artigo publicado na edição de 28 de Abril de 2011
Artur Queirós (Historiador e Escritor Camocinense)
Artigo publicado na edição de 28 de Abril de 2011