(Avelar Santos)
Não se sabe bem por que a maioria das crianças
anseia bestamente crescer logo – e virar adulto. Comigo, não foi
diferente!
Todavia, se soubessem dos hercúleos desafios a
serem permanentemente enfrentados nesse novo horizonte que inocentemente tanto
almejam alcançar, dos moinhos de vento gigantes que teriam que enfrentar,
desprovidos de espada e armadura, dia após dia, dos caminhos íngremes e
perigosos que forçosamente muitas vezes trilhariam, dos abismos assombrosos que
lhes empanariam a visão, deixando-lhes tontos, certamente logo desistiriam
dessa completa loucura.
Segundo rebento de uma família humilde de sete
irmãos, muito cedo saí de casa, por escolha direta de meu pai, católico
fervoroso que almejava como ninguém ter um filho padre, indo estudar no
Seminário de Tianguá. Era o distante ano da graça de 1969 – e eu tinha doze
anos incompletos.
De repente, vi-me distante das singelas
brincadeiras de menino, do jogo de pião e de bila, da leitura diária dos gibis,
e, principalmente, das incursões bonapartianas aos quintais amigos das
vizinhanças, onde, além das frutas saborosas surrupiadas e consumidas com
apetite incomum, via os passarinhos tecerem calmamente sonhos dourados nas
tardes cheias de Sol – e isto me deixava encantado e senhor absoluto do
mundo!
Fiquei um ano na Ibiapaba. De posse do prestigiado
passaporte da exemplar conduta, carimbado espetacularmente de boas notas, fui
posteriormente levado para o Seminário de Ipuarana, em Campina Grande-PB, onde
permaneci por duas inesquecíveis temporadas.
Naqueles idos anos, relembro com nostalgia
infinita, sentia-me deveras contente e desfrutava de uma paz que
talvez somente quem viveu no deserto – como ermitão – poderia ousar aquilatar.
Ali, rodeado pela segurança dos claustros silenciosos, do robusto e
incomparável farol da fé, que luzia ininterruptamente e afugentava as trevas do
mal, do cheiro inebriante do incenso e de livros clássicos a
mancheias, o intelecto brilhante do aluno era enormemente reconhecido e, mais
que isso, ele era estimulado à exaustão, pelos valorosos Mestres frades
franciscanos, para se tornar incomparavelmente ainda melhor.
Nunca esqueci uma poesia que li, logo nos
primeiros dias de Ipuarana, do grande Vicente de Carvalho, parnasiano
emérito paulista, que falava da saga de uma flor sendo carregada cruelmente
por um rio. Mesmo com todas as suas súplicas, rogando-lhe que a deixasse ficar, o
rio se mostrava indiferente aos seus apelos e aflições – e a levava, inquebrantável
na sua solitária decisão, na borbulhante correnteza fria, mais e
mais para longe do seu perdido lar.
O desespero inaudito da flor, tentando inutilmente
desvencilhar-se daquele abraço mortal, seus gritos lancinantes, clamando
piedade, dirigidos às águas velozes e furiosas, que fingiam nada ver e ouvir,
ainda repercutem hoje nos meus combalidos e apagados neurônios.
Fazendo uma analogia simplista, muitos de nós
somos esta flor que é arrebatada impiedosamente das ribanceiras tranquilas, que
habitava, pela força do rio da vida, mergulhados na frialdade imensa das
incompreensões e desacertos, sempre presentes no caudal da existência, sem que
sequer, às vezes, tenhamos alguma chance de qualquer defesa, muito embora, aqui
e ali, até esbocemos lutar heroicamente contra as poderosas adversidades que
nos cercam.
Infelizmente, uma legião de humanos deixa-se levar
inconscientemente por este rio enfurecido, que arranca as raízes rasas em que
estão fincados à boa terra, sem a devida profundidade, não conseguindo nadar
suficientemente forte para vencer as traiçoeiras correntezas, que os arrastam
por todos os lados, impelindo-os dantescamente para um triste fim.
E aí, nessas horas extremas, calados, afligidos
por uma tristeza atroz, e mudos de medo, ingloriamente embrutecidos pelo rigor
inexorável do tempo, quiçá alguns lembrar-se-ão dos momentos felizes da
infância querida distante, agora paradoxalmente tão presente, que vem toda
faceira ao encontro deles, em flashes coloridos, no intuito de apagar-lhes a
dor aguda da agonia final.
Ah! Se, contudo, tivessem trilhado o caminho do
bem, olhando seguidamente para as coisas do Alto, nada poderia minimamente
afetar-lhes!
É necessário, portanto, que cada um de nós tome a sua cruz, e, sem hesitar, serenos, confiantes, certos da presença constante do Rabi de Nazaré, fortalecendo-nos incessantemente ao longo de nossa jornada terrena, caminhemos de cabeça erguida, entregando-nos sem peias à suprema misericórdia do Paizinho do Céu - Àquele que nos ama verdadeiramente e jamais esquece qualquer um de seus diletos filhos.
É necessário, portanto, que cada um de nós tome a sua cruz, e, sem hesitar, serenos, confiantes, certos da presença constante do Rabi de Nazaré, fortalecendo-nos incessantemente ao longo de nossa jornada terrena, caminhemos de cabeça erguida, entregando-nos sem peias à suprema misericórdia do Paizinho do Céu - Àquele que nos ama verdadeiramente e jamais esquece qualquer um de seus diletos filhos.
Avelar Santos (Professor e Escritor)