A tragédia que se abateu sobre a família Borges no
Acre é incompreensível sob todos os aspectos. Primeiro, Bruna, 19 anos, cometeu
suicídio, transmitindo seu calvário pelo Instagram. Os pais, em agonia e não
tendo como suportar a dor da perda da filha — que para todo o sempre vai
permanecer gravado na rede —, também recorreram ao suicídio. Pouco tempo depois
foi a vez do ex-namorado tentar tirar a vida.
Trata-se de um problema que nunca foi
adequadamente compreendido pela humanidade e pela ciência — a depressão. A
ciência, aliás, mostra que a incidência de depressão nos muito jovens — vamos
falar dos que estão nos últimos anos do ensino fundamental até o ensino médio —
tem aumentado. De 2010 para cá, a curva desse transtorno que inclui episódios
de excessiva tristeza e ansiedade incontrolável inclinou-se bruscamente para
cima.
Estamos na modernidade. Temos acesso a
praticamente tudo que precisamos. Qual a razão desse problema? Estudiosos
debruçam-se sobre a matéria. Ninguém sabe ao certo, mas algumas pistas começam
a surgir.
No centro do problema está a era digital. Os
jovens de hoje nascem com smartphones à sua volta. Uma mãe descreveu que embora
seu filho ainda não saiba caminhar, ele já sabe fazer o swipe que aciona o
celular. De fato, boa parcela dos jovens brasileiros já possui um celular antes
dos dez anos de idade. O problema é que embora esses jovens estejam sempre
conectados pela rede mundial, eles se encontram face a face cada vez menos.
O fato de encontrarem-se socialmente cada vez
menos é a provável explicação para o fato de os gráficos mostrarem que eles
ficam (ou namoram) menos e têm menos relações sexuais do que jovens da mesma
idade antes de 2010. O smartphone é seu companheiro inseparável. Contudo,
paradoxalmente, muitos desses jovens sentem medo de serem deixados para trás. O
fato de perceber que parte de seus amigos se reúne socialmente e não ter sido
incluído pode, em jovens com recursos mentais desprovidos de resiliência,
afundá-los na tristeza.
Também se descobriu que eles dormem menos horas. O
sono é fundamental porque é nesse período que o cérebro grava em seu disco
rígido os eventos experimentados no dia que se encerra. Mas o que vem primeiro?
A depressão afugenta o sono ou este traz como resultado depressão e ansiedade?
É provável que uma espécie de sobrecarga resulte
na interferência com os circuitos neurológicos. Vamos montar o quebra cabeças.
O uso do smartphone requer dedicação. Trata-se de somar concentração na tela e
agilidade nos dedos. Habitualmente temos mais de uma janela aberta (Facebook e
Whatsapp, por exemplo) e, em cada um deles, janelas diferentes para grupos ou
usuários distintos. É comum perceber que enquanto se digita para um já se
organiza na mente o que vai ser digitado para outro. Tudo isso escutando o beep
das mensagens entrando ou a vibração nas mãos informando a necessidade de
sermos mais ágeis. Esse sistema sobrecarrega o número de neurônios (as células
do cérebro que processam informações). Para não nos deixar na mão, o cérebro se
utiliza do recurso pelo qual ele “toma emprestado” neurônios de outras áreas.
Qual é a área imediatamente mais à mão? O cérebro chamado de social, cujas
células estão desocupadas — e em breve ficarão mais ainda na medida em que suas
células emprestadas para as operações cognitivas não mais retornam à função
original.
Dentro de algum tempo, ambos — o cognitivo e o
emocional — estão sobrecarregados. Instala-se um funcionamento que não está
previsto pelo código genético. No DNA, as instruções são claras: neurônios
cognitivos e emocionais realizam, cada um, suas respectivas funções. A soma
delas permite, por exemplo, qualidades como a resiliência.
Estamos diante de um dilema. A incorporação dos
smarts no quotidiano não tem mais volta. Mas se continuarmos nessa espiral,
seremos inteligentes na conexão virtual com os outros, mas incapacitados para
enfrentar os desafios da vida. Este será o grande desafio da ciência moderna
para a geração smart.
*Dr. Martin Portner é Médico Neurologista, Mestre em Neurociência pela Universidade de Oxford e especialista em Mindfulness. Há mais de 30 anos divide suas habilidades entre atendimentos clínicos e palestras, treinamentos e workshops sobre sabedoria, criatividade e mindfulness.
*Dr. Martin Portner é Médico Neurologista, Mestre em Neurociência pela Universidade de Oxford e especialista em Mindfulness. Há mais de 30 anos divide suas habilidades entre atendimentos clínicos e palestras, treinamentos e workshops sobre sabedoria, criatividade e mindfulness.