Há muito tempo atrás uma estrela brilhante riscou
o céu anunciando gloriosamente a chegada de um Menino, que ia nascer em Belém
de Judá, numa pequena gruta que servia de estábulo para animais, que veio até
nós, trazendo consigo o esplendor da Divindade, para ser a luz do mundo,
consolar os corações aflitos, dar testemunho da Verdade, levar esperança aos
desesperançados, compadecer-se infinitamente dos sofredores, enxugar com
desvelo cada lágrima de dor, espargir a semente do amor nos corações dos homens
de boa vontade, endireitar as veredas, guiar-nos em perfeita segurança pela
trilha estreita que nos conduz ao Pai.
Naquela noite silenciosa, cheia de encanto e
magia, Deus resolveu se encarnar, em nosso meio, através da aceitação plena de
Maria, incrustada como joia preciosa no canto do Magnificat, consubstanciado
no milagre do nascimento de seu Filho, Jesus, que se dispôs a caminhar conosco,
seja aonde for, até mesmo nos vales desertos e sombrios da vida, dando-nos
alento e coragem para seguir em frente, e, quando estivermos prestes a
desfalecer, ELE mesmo nos carregará às costas, com o nosso pesado fardo,
acalentando-nos com infinita doçura a alma atribulada.
Noite de Natal! Noite de infinitas bênçãos, noite
abençoada, solene, que deveria calar profundamente o nosso coração, levando-nos
por um momento, mesmo que fugaz, ao nosso eu mais profundo, longe de qualquer
barulho, a fim de que pudéssemos mergulhar no mar profundo de nossa existência,
repensar nossos atos ilícitos, rever nossas grandes omissões, aparar com
cuidado cada aresta de nossas imensas falhas, aquilatar o mal das injustiças
tremendas cometidas contra o próximo, ver o brilho divino do luzir do Bem que
podemos fazer, semeando concórdia e bonanças por onde andarmos.
Noite de Natal! Noite de emoção mais sublime,
pura, que nos tange de volta mansamente aos tempos radiosos da infância
querida, que não voltam jamais, ao aconchego do lar paterno, defronte à Estação
Ferroviária, na amada Camocim de antigamente, na bela Rua Engenheiro Privat,
aonde eu vislumbro novamente a Família toda reunida em volta de uma mesa
simples, franciscana, rendendo graças e bendizendo ao Senhor por tantas dádivas
recebidas. Havia certamente um fulgor especial nos nossos olhos, que marejavam
vezes sem conta sem sabermos ao certo o porquê, um ardor enorme no peito, que
nos induzia a sermos mais humanos, generosos uns com os outros, apesar de nossa
pequenez, cientes da grandeza e inversa fluidez daquele instante memorável, uma
singeleza única nos gestos, e no falar, cuja tradução resumia-se em uma só
palavra: Gratidão.
Noite de Natal! Noite bendita que encurta a
distância entre o Céu e a Terra, que nos aproxima da luminescência incomparável
do Farol da Fé e nos conduz a pensar com maior largueza de espírito sobre as
coisas do Alto.
Noite de Natal! Noite bendita! Quantas recordações
intensamente vividas povoam meu pobre ser! Quanto contentamento indizível com a
chegada dele perfuma o ar com o aroma doce do Bogari, levando-me a sonhar com
um Novo Mundo, mais justo e fraterno, livre de guerras, de qualquer violência,
sem egoísmo, onde a partilha do pão seja algo corriqueiro, a amizade floresça
em todos os recantos, nos tornando mais irmãos, a compaixão estabeleça pontes
sólidas de solidariedade entre as pessoas, a Moral e a Ética caminhem lado a
lado, os homens finalmente se entendam e busquem a todo custo fazer o Bem. Noite de Natal!
Avelar Santos (Professor e Escritor)