Uma hora, ela está atualizando prontuários e dando ordens. Dali a pouco, faz uma intubação. Mais tarde, conversa com o secretário estadual da Saúde da cidade. Em carga horária de 80 horas semanais, ela é diretora clínica do hospital e também atende aos pacientes em plantão. Ser muito jovem para o cargo não é a questão mais importante: Larissa foi diagnosticada com transtorno de espectro autista na infância. A família logo percebeu que havia algo diferente acontecendo.
Ela vivenciou bullying e trocou muito de escola: tinha dificuldades de relacionar-se, interagir com colegas e professores, fazer contato visual com alguém. E era, além de tudo, uma criança brilhante. Larissa tenta compensar o embaraço nesse campo com outros sentidos. A medicina foi, talvez, sua forma de lidar com as barreiras internas com que nasceu.
A reportagem do TAB (UOL) conversou com a médica por mensagens e pessoalmente, do lado de fora do Hospital de Campanha. Com cerca de 1,60, miúda de compleição física, Larissa sorri por trás da máscara e confessa achar "super estranho" dar entrevistas.
Aos poucos, foi confiando e se abrindo à conversa. A voz grave e bonita sai fácil, fluida, com eloquência. A impressão que fica é que Larissa consegue ver as coisas de forma macro, em visão panorâmica. Apesar da dificuldade de fazer contato visual, ela fala olhando nos olhos — com um tique discreto de esfregar as sobrancelhas.
A superdotação intelectual ajuda a entender parte de seus feitos. Ela entrou para a faculdade de ciências sociais da UFU (Universidade Federal de Uberlândia) em 2011, com apenas 14 anos. Compreender a mente humana motivou sua mudança de Uberlândia (MG) para Porto Velho (RO), ao passar em medicina na Unifimca (Centro Universitário Aparício de Carvalho), quatro anos depois, missão que considerou "tranquila".
Na sequência, emendou uma pós-graduação em neurociências pela Universidade Duke, nos EUA. Hoje finaliza duas especializações — neuroimagem pela Universidade Johns Hopkins (EUA) e psiquiatria pela PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
"Decidi fazer medicina em Rondônia pois tenho paixão pela Amazônia, pela parte antropologicamente rica de uma cultura tão particular. Aproveitei que tenho uma tia médica aqui, e de súbito, em 2 meses estudei um pouco e ingressei", conta à reportagem.
Larissa chegou a estudar cerca de oito horas por dia para concorrer à residência na área de neuropsiquiatria, uma das mais concorridas do país. Passou no exame para as áreas de neurologia, neurocirurgia e psiquiatria, mas optou por atuar na linha de frente da covid-19 na cidade onde se formou em medicina. Entende que as especializações estão interligadas ao momento que vive, porque infectados com covid-19 também têm desfechos neurológicos e demandas psiquiátricas.
"A pandemia me transformou. Sempre fui empática em acolher e ajudar, mas a vivência atual modificou a forma como enxergo o mundo e as minhas reais necessidades. Não tive outra escolha a não ser ficar e trabalhar. Meu trabalho também é fonte de sustento à minha família. Ajudo meu irmão, que também estuda medicina", explica a médica, que se formou antecipadamente e logo passou a atender em três lugares: Samar, Hospital das Clínicas da cidade e a UTI do Hospital de Campanha, em Rondônia.
Com informações do TB (UOL)
Por Tadeu Nogueira