Ali fora plantada. Por um anônimo qualquer, não se tem a mínima idéia, de quem tenha sido. Ora pois, naquelas eras, a atual cidade de Camocim era apenas um pequeno e acanhado vilarejo perdido nestas plagas oceânicas, habitada na maioria pelos nativos da outrora pujante nação indígena dos tremembés, os brancos ainda eram minoria descendentes da família dos ‘‘Gabriel,’’ a primeira a desembarcar nestas paragens paradisíacas onde o rio ‘‘Camocim’’ deságua no mar, e neste encontro de gigantes, a natureza abençoou, fazendo brotar lagos, dunas, falésias, mananciais e manguezais numa verdadeira profusão de beleza d’onde até a vista possa alcançar.
Ali ela fora crescendo. Seu caule, galhos e ramificações ficando cada vez mais fortes e viçosos.
O tempo que jamais para em seu eterno matraquear dos minutos, horas, dias, anos, inexoravelmente passou, e a árvore agora adulta – Bela, forte, altaneira, exibindo todo seu esplendor e exuberância a tudo assistia, eternizada no lugar onde fora plantada, testemunha muda de sua própria História. Camocim, agora cidade. Vieram os bairros, praças e avenidas; Ruas foram demarcadas; máquinas com suas pás metálicas rasgaram e esquadrinharam.
De acordo com a topografia, a árvore agora já adulta, tinha que ser removida, por não se encaixar no esboço topográfico, embora não ficasse totalmente no meio da rua, mas iria atrapalhar, teria que ser arrancada pelo tronco: – Que lástima! – Uma árvore tão bonita! – Pé mesmo de quê? – Manguba! Era uma mangubeira: – Dá fruta? Dá uma espécie de coco, mas... Não é comestível. – Ah! Mas os pássaros adoram. – Agora para fazer sombra não existe outra! – Realmente dói no coração! – Chamem o mestre! Será que não dá para preservá-la. Afinal ela não toma tanto espaço da rua. – E por falar em rua! Qual o nome desta?? – Chega o mestre, examina o problema; Uns são contra, outros a favor; Há os que desejam a morte da árvore; Há os que defendam que permaneça viva.
Naquele momento, a árvore é julgada. Só existem duas prerrogativas. O mestre examina, mede, confere, afasta-se um pouco, aprecia a beleza da referida em questão. Seu grosso e maciço caule, a frondosidade de seus galhos, o verde de suas folhas, seu porte majestoso. Todos aguardam. O mestre sentencia: – A árvore vai ficar! Uns aplaudem, outros não gostam, por fim todos acatam. Venceu a vida, venceu a árvore mais uma batalha na guerra de sua existência.
Dois séculos passaram, agora de frente a velha árvore existe uma casa moderna, grande e luxuosa. O antigo proprietário vendeu o imóvel para uma família que veio de outras paragens. Até então tudo bem... Mas não é que um belo dia de domingo, o novo dono contratou uma equipe de homens munidos de motosserras, facões, machados, cordas e outros apetrechos.
A vizinhança ficou desconfiada: – Seria apenas uma poda?? – Deve ser. Faz tempo que não se faz! Está mesmo a precisar. Os homens subiram na velha árvore com suas maquinas, machados e facões e deram inicio a seu trabalho covarde e insano, contra a totalmente inocente e indefesa árvore. A missão morte deu-se inicio, nos galhos de cima para baixo, logo o chão estava repleto de folhas e galhos, primeiro os mais tenros e finos, em seguida os grossos e robustos.
A inquietude, a angustia, o torpor e indignação tomava conta de todos: – Está na hora de parar! – Eles vão matar nossa árvore. Vamos lá! – Já estão passando do limite!
A turba (vizinhança), deveras encolerizada e raivosa partiu para o referido local:
–Moço! Quem mandou o senhor cortar esta árvore? – O senhor, proprietário da casa defronte! Respondeu: – Vá chamá-lo! Ao chegar, o dito cujo foi inquirido por vários presentes: – Quem mandou? – Com que direito! – O Sr. sabe que esta árvore é um patrimônio nosso! – Nós vamos denunciá-lo ao IBAMA. – Vamos! Vamos! Abraçar nossa arvore! Deram-se as mãos, foram necessárias cinco pessoas de braços abertos interligados, para contorná-la em um abraço:
– Aqui ninguém corta!
– Não se derruba mais uma folha!
A velha árvore estava totalmente debilitada, e pelo andar da carruagem logo restaria apenas o tronco.
O proprietário da mansão cedeu e mandou seus asseclas recolherem suas ferramentas de morte, além de prometer jamais atentar novamente contra a velha árvore.
A natureza é pródiga. Passado alguns meses da tragédia a velha árvore recuperou novamente galhos e folhas. Reina majestosamente servindo de abrigo para os pássaros do céu, que a utilizam para seus ninhos, bem como nos dias ensolarados e quentes, refresca com sua sombra prazerosa e acalentadora a todos sem distinção, até mesmo seus algozes que tentaram exterminá-la.
Inácio Santos
(Radialista, Compositor, Escritor e membro da Academia de Ciências, Artes e Letras de Camocim)
Texto escrito antes da reforma ortográfica de 2009