domingo, 12 de dezembro de 2021

"À SOMBRA DO VELHO TAMBOR", POR AVELAR SANTOS

Depois de um oceano de saudade, de distância sem fim, de tempestades de solidão, que enrugaram para sempre minha alma, eis que o destino me sorriu, velho amigo, trazendo-me de volta para o conforto da tua sombra inigualável, na paz absoluta deste solo bendito em que tuas raízes estão fincadas eternamente.

Nada me perguntes, por enquanto, por favor, nobre companheiro. Nada precisas dizer também. Sei o que tu sentes, por eu estar aqui, assim como sabes da minha alegria desmedida por desfrutar uma vez mais da magia desse reencontro.

Ah! Amigo Tambor! Se eu falasse das minhas dores, tristezas, por tudo que passei, nas veredas da existência, isto certamente só traria desgosto a ti.

Prefiro recordar, junto contigo, dos momentos felizes que desfrutamos, nos tempos idos da mocidade, que, ingrata, não volta jamais, dos meus sonhos, tantos, que te confidenciei, naquelas manhãs tão cheias de luz, e dos conselhos sábios que me destes, explicando-me pacientemente, com desvelo de pai, com voz pausada, olhando-me mesmo nos olhos, como deveria agir, nas mais diversas situações, no futuro, mas que, teimosamente, não sei por que abstive-me de seguir

E o que dizer do fervor de teu incentivo, cada vez que procurava refúgio, sob a segurança de tua ramagem, que, infelizmente, por negligência, deixei cair, em solo pedregoso, nos caminhos perdidos do meu coração, impedindo, de forma melancólica, que a flor da esperança desabrochasse na sua magnitude.

Senhor Deus dos desgraçados! Como é bom estar de novo em IPUARANA, percorrendo os seus claustros sagrados, sentindo um turbilhão de emoções, ao reviver momentos insuperáveis que marcaram indelevelmente minha breve passagem, por ali, ouvindo, extasiado de felicidade, o doce canto do passado que ainda ecoa em mim.

Lembras, meu camarada, quando certa feita, recostado no teu tronco, estava eu às voltas em memorizar um trecho do "Pequeno Príncipe", que me caberia dizer na peça que levaria a cabo, com outros colegas, naquela noite, no salão de apresentações, sob a batuta magistral de Frei João Pinto, quando fui interrompido, na minha fala, quase conclusa, por um dilúvio repentino, típico daquela época de invernia, nos alcantis da Borborema, que talvez até Noé se visse em apuros?

No fragor do ribombar dos trovões, reclusos na caravana infinda de nuvens dos anos, que não cessam de correr, quantas vezes enxugastes meu pranto sofrido, acolhestes-me em teus braços, ofertastes a mim palavras de conforto, que se derramavam no meu espírito como bálsamo precioso de Palmira, pensando minhas feridas da alma, abertas como as chagas do Divino Mestre, para quem quisesse ver, de modo tão franciscano, puro, como somente tu serias capaz de fazê-lo.

Nos conhecemos há milênios, estimado Tambor. De longe, agora na velhice, sinto uma enorme falta de ti. De tudo que vivi. Que vivemos.

Peço-te perdão por desapontá-lo nas tuas profecias sobre mim. Desperdicei meus talentos ao vento. Confesso-te, bem baixinho, envergonhado por tão grande culpa, que não me esforcei o suficiente para concretizá-las. Uma pena!

No entanto, uma lição de teus ensinamento mil jamais esqueci. Aquela que nos diz que cada coisa tem o seu tempo certo debaixo do céu, que nos remete à sabedoria do Eclesiastes, que devemos ser fortes, perseverantes, mesmo nas adversidades, porquanto o Criador sabe infinitamente do barro de que é feito cada uma de suas criaturas.

A cada renovo das tuas folhas, no eterno milagre da continuação da vida, ficava a certeza que nada é imutável, que as dores passam, levando as tristezas no caudal do rio da existência, que segue seu curso, sereno, apesar das pedras no seu leito, passando por cima delas, haja vista que muitas vezes se faz necessária a escuridão para se ver o brilho das estrelas na sua plenitude.

Salve, amigo Tambor!

A ti, dileto companheiro de caminhada, minha gratidão pelas vezes que me levantastes do chão, nos dias mais difíceis, pondo-me novamente de pé, com a força hercúlea que tens, espargindo sobre mim bênçãos, acalmando o meu ser.

Rogo a Deus que te dê serenidade para encarar as ventanias que certamente se abaterão sobre ti, estimado amigo, que abalarão teus alicerces, deixando-te exposto à fadiga vegetal, posto que tu és um exemplo de tenacidade a ser seguido por todos aqueles que te conheceram no verdor dos anos.

A ti, velho companheiro, meus mais sinceros respeitos. E gratidão!

Oxalá nas campinas do céu eu possa te rever um dia novamente.

Avelar Santos (Professor e Escritor)