domingo, 19 de dezembro de 2021

"QUANDO FOI QUE TUDO MUDOU?", POR EVALDO CARNEIRO

Nasci na década de 60, em Chaval, Ceará, mas somente na década de 70 vivi mais intensamente a vida.

Naquela época, tirava notas azuis e morria de medo de notas vermelhas no meu boletim escolar. Ela tinha que ser acima de 7.
Nesse tempo não tínhamos Bolsa Família e nem Auxilio Emergencial.

Nossos uniformes e material escolar eram comprados pelos nossos pais com muito suor; o calçado era conga (uso obrigatório) e não tínhamos celular. 
As pesquisas eram feitas em bibliotecas da escola ou públicas e nas enciclopédias. O trabalho era escrito à mão e na folha de papel almaço, com capa feita com papel cartolina. Tinha dever de casa para fazer, a Educação Física era de verdade e havia uma carteirinha para registrar "presente", "ausente", "atrasado" e ainda cantávamos o Hino Nacional no pátio antes de entrarmos na sala de aula.

Na escola tinha o gordo; a magrela; a branquela azeda; girafa, quatro Olhos; a baixinha; Olívia Palito; o palitão; o cabelo Bombril; o negão; Piriquito; Narigudo, elefante e por aí vai... 
Todo mundo era zoado, às vezes até brigávamos, mas logo estava tudo resolvido e seguia a amizade... Era brincadeira e ninguém se queixava de bullying. 

Existia o valentão, mas também existia quem defendesse. O lanche era levado na lancheira ou dentro de um saco de pão.
Era época em que ser gordinho (a) era sinal de saúde e se fosse magro, tínhamos que tomar o Biotônico Fontoura. A frase "peraí mãe " era para ficar mais tempo na rua e não no computador ou no celular...

Colecionávamos figurinhas, bolinha de gude, papéis de carta e selos. 
As brincadeiras eram saudáveis. Brincávamos de bater em figurinhas e não nos colegas e professores. Adorava quando a professora usava mimeógrafo e aquele cheiro do álcool tomava conta da sala.
As músicas tinham letras inteligentes e conteúdo para interpretação, não vulgaridades, baixarias ou palavras pejorativas.

Na rua era jogar bola, queimado, pular corda, amarelinha, subir em árvores, pique-bandeira, pular elástico; pique-esconde, polícia e ladrão; andar de bicicleta ou de carrinho de rolimã; bolinhas de gude, soltar pipa; e ficar na rua até tarde sem perigo, sem medo de violência.
Muitas vezes com a mãe tomando conta sentada no portão.
Comia na casa dos colegas e quando chegava em casa tomava esporro por isso (“Não tem comida em casa?”).

Não importava se meu amigo era negro; branco; pardo; rico; pobre; menino; menina. Todo mundo brincava junto. E como era bom. Bom não, era maravilhoso!
Que saudades desse tempo em que a chuva tinha cheiro de terra molhada! Época em que nossa única dor era quando passava Merthiolate nos machucados. Felizes em comparação com esse mundo de hoje, onde tudo se torna bullying. Nossos pais eram presentes, mesmo trabalhando fora o dia todo. Educação era em casa, até porque, ai da gente se a mãe tivesse que ir à escola por aprontarmos. 

Nada de chegar em casa com algo que não era nosso, desrespeitar alguém mais velho ou se meter em alguma conversa. Xiiii... Era um tapa logo ou só aquele olhar de "quando chegar em casa conversamos" (já sabia que iria apanhar).
Tínhamos que levantar para os mais velhos sentarem. Fico me perguntando, quando foi que tudo mudou e os valores se perderam e se inverteram dessa forma?
Quanta saudade, quantos valores, que para esta geração não valem nada! 
Grato por tudo que vivi e aprendi.

Padre Evaldo Carneiro é Pároco da Paróquia de Bom Jesus dos Navegantes, em Camocim.