Foto: O
navio Rio Piancó, acostado ao trapiche do Porto de Camocim, em meados da década
de 1960.
Por José Maria Trévia
(Escritor Camocinense)
Inúmeras histórias já foram contadas, envolvendo opiniões e fatos relacionados ao Porto de Camocim.
Diversos relatos das ocorrências, que se foram sedimentando ao longo de várias décadas, construíram idéias verdadeiras ou falsas acerca dos motivos que regularam as oscilações no seu funcionamento.
O velho porto teve épocas áureas, alternadas por anos difíceis, quando viveu suas fases de progresso e de decadência, todas elas à mercê das marés da política, da economia, dos interesses egoístas e da ausência de patriotismo. Nesse emaranhado de ocorrências, ligadas aos mais diversos tipos de julgamentos e interpretações, buscamos focar nosso relato em todo o contexto de diversos fatos que envolveram verdades e mitos sobre o Porto de Camocim.
Rebuscando um passado relativamente longínquo, desde os anos que antecederam a Primeira Grande Guerra, o porto de Camocim já mantinha um movimento de navios que beneficiava toda a região Norte do Estado do Ceará, chegando, de certa forma, a ofuscar a importância do Porto do Mucuripe.
Este, sempre a exigir enormes investimentos para manter suas condições de navegabilidade, enquanto o pequeno porto de Camocim, por sua condição de porto protegido por uma enseada, constituía-se em excelente alternativa para o transporte marítimo, embora também reclamasse alguns investimentos, necessários ao melhoramento de suas condições de atendimento e à preservação da profundidade de seu canal.
Infelizmente, as reivindicações feitas para preservar as condições do porto e ampliar o seu potencial de aporte de cargas e passageiros, jamais seriam ouvidas. Não se sabe o número exato de vezes em que foram efetuados estudos para beneficiá-lo, tampouco é conhecido o número de promessas eleitoreiras que foram propaladas aos quatro ventos, sem nunca terem sido cumpridas.
E os tais senhores, que tantas promessas fizeram ao povo camocinense, sabiam da importância que o Porto de Camocim representava para a Região Norte do estado, mas não foram leais às necessidades de nossa terra e aliaram-se aos interesses dos que preferiram realizar grandes investimentos no Porto do Mucuripe e em suas áreas de abrangência.
E outros grandes interesses se voltaram, também, para o enfraquecimento das atividades do porto, buscando a sua inviabilidade, como foi a desativação do ramal ferroviário Sobral-Camocim, um exemplo notório de amputação de um membro vital.
Outro fato curioso, que permeia a história da decadência do porto de Camocim, é o período de quinze anos em que o mesmo foi indevidamente considerado sem profundidade suficiente para receber navios de médio ou grande calado, descalabro que está registrado no livro Cidade Vermelha, de autoria do nosso conterrâneo Carlos Augusto Pereira dos Santos.
Essa avaliação, da incapacidade do porto, deveu-se meramente à opinião do prático Marinho, o mesmo que foi denunciado pela autoria do encalhe proposital de um navio, na entrada da Barra de Camocim. Segundo registros dos Jornais da época, havia interesse por parte da Empresa Inglesa Booth Line em realizar o lucrativo serviço de alvarengagem, transportando toda a carga, retirada do navio na boca da barra, até o cais acostável.
Esta capatazia adicional aumentava, significativamente, os custos de transporte dos produtos que chegavam através do Porto de Camocim, resultando em argumento poderoso nas mãos dos que distorciam a verdade sobre as suas reais condições técnicas e de viabilidade econômica.
Outra denúncia da época também foi registrada no documento denominado O Porto de Camocim na Economia do Nordeste, publicado no dia 15 de março de 1949, assinado por Francisco Trévia, como Presidente da Comissão Organizadora da Sociedade dos Amigos do Ceará, no Rio de Janeiro, então, Capital da República.
Neste documento, os representantes daquela Sociedade contestam as falsas informações sobre a inviabilidade do porto, denunciam as forças a serviço da sua decadência e fazem um apelo por providências justas às autoridades brasileiras. Infelizmente, todas essas vozes foram, estrategicamente, abafadas pelos brados mais altos de interesses escusos.
A farsa, sobre a inviabilidade operacional do Porto de Camocim, somente foi desmascarada no dia 30 de janeiro de l950, quando o Comandante do navio Aratanha, acreditando na veracidade das informações do outro prático, conhecido por Lopes Filho, adentrou a enseada do porto, sob aplausos da multidão, que acorreu ao cais e ao trapiche, naquela tarde memorável.
A partir de então, não somente o Aratanha, com seus 13,5 pés de calado, mas, também, diversos outros de iguais ou de menor capacidade, voltaram, ainda, a aportar ao cais de Camocim, durante quase duas décadas. Entretanto, o abandono daquele porto, por parte do poder público, continuou a mantê-lo na orfandade.
E a campanha, que massacrou durante longos anos o sonho nutrido pelos camocinenses e pelos habitantes de outros municípios da Região Norte, prosseguiu sua ação devastadora, vindo a abrandar somente após deitar por terra a última bandeira dos que lutaram por esta causa, ainda presente em nossas memórias.
Texto extraído do livro "Outros Tempos", de José Maria Trévia