O peso isolado de uma pessoa com obesidade geralmente não é clinicamente relevante. Sim, ele nem sempre se correlaciona com a quantidade e a distribuição do tecido adiposo pelo corpo nem permite prever as consequências para a saúde do indivíduo.
No início da década de 1990, o Instituto Nacional de Saúde nos EUA propôs diretrizes para a realização de cirurgia gastrointestinal para obesidade que foram baseadas principalmente no índice de massa corporal (IMC), uma medida direta, embora imprecisa da concentração de gordura no organismo. Isso influenciou o mundo inteiro, incluindo o Brasil. Como a perda de peso era o objetivo principal, as operações dedicadas ao tratamento da obesidade foram genericamente chamadas de cirurgias bariátricas. O termo “bari” vem do grego e significa “peso”.
A compreensão da obesidade na década de 1990 ainda era inadequada. Hoje, com a evolução do conhecimento a respeito, é claro que a obesidade é uma doença com herança genética e causas biológicas, e as indicações de tratamento cirúrgico não podem ser baseadas apenas no IMC. Além do mais, as cirurgias se baseavam incorretamente em conceitos relacionados a restrição volumétrica do estômago e/ou diminuição de absorção de alimentos.
Existem inúmeros mecanismos fisiológicos por trás dos procedimentos e eles não têm só relação com restrição ou má absorção. Assim, referir-se às cirurgias bariátricas baseadas em mecanismos de ação incorretos foi uma questão importante que prejudicou a reputação do método.
Além disso, as indicações cirúrgicas dependentes do IMC e os resultados baseados exclusivamente na perda de peso foram intimamente relacionados à cirurgia bariátrica, mas os outros benefícios metabólicos foram considerados secundários.
Recentemente, a compreensão dos mecanismos independentes do peso que promovem o controle do diabetes tipo 2 e a regulação da fome e da saciedade são mais claros. E é fato que a cirurgia bariátrica salvou milhões de vidas. Ela controla várias doenças associadas, melhora a qualidade de vida e diminui a mortalidade cardiovascular.
Porém, como a própria obesidade, a cirurgia bariátrica é uma das especialidades cirúrgicas mais estigmatizadas. As indicações e resultados centrados no peso, juntamente com o uso indevido de restrição e má absorção para classificar os diferentes tipos de operações, talvez sejam algumas das explicações para a baixa penetração da cirurgia em todo o mundo. Felizmente, a medicina progrediu.
Atualmente, são conhecidos vários sinais neurológicos e hormonais que o trato digestivo gera para se comunicar com o resto do corpo a respeito da quantidade precisa de nutrientes ingeridos.
Distúrbios nessa sinalização produzem vários problemas, como diabetes, inflamação, adiposidade excessiva, etc. Portanto, o excesso de gordura não é a doença em si, mas uma consequência de distúrbios metabólicos. E o moderno entendimento da cirurgia bariátrica visa a tratar o excesso de adiposidade, regulando os sinais metabólicos disfuncionais que a acompanham.
A perda de peso é um resultado bem-vindo, alcançado pelos mecanismos fisiológicos desencadeados por intervenções metabólicas. A cirurgia bariátrica evoluiu para cirurgia metabólica, mas é necessária uma comunicação adequada para esses novos conceitos. Evitar usar restrição/má absorção e destacar a segurança e os benefícios da cirurgia são mensagens essenciais nesse contexto.
A cirurgia bariátrica atende a população há décadas e chegou a hora de sua merecida aposentadoria. Cirurgia metabólica é o nome mais adequado para a nova era. Não há progresso sem mudança. Num futuro próximo, a cirurgia metabólica poderá novamente ser renomeada. O novo nome pode ser: cirurgia para ganho de saúde.
* Ricardo Cohen é cirurgião e coordenador do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP)
Artigo publicado na Veja em 28 de junho de 2023