domingo, 8 de outubro de 2023

AS OFICINAS DE TRENS DE CAMOCIM

A Rua do Egito povoou minhas lembranças muito fortemente nos últimos dias, principalmente a memória das tardes nos campinhos de futebol e dos moleques mais corajosos que subiam as paredes da bocarra da velha cacimba e "pulavam de cabeça" na água do grande poço que enchia com os bons invernos. 

Por outro lado, as ruínas das "Oficinas" eram para mim um grande monumento que desafiava minha imaginação de como aquilo teria sido em seu auge. Só muito depois, homem já feito e pesquisador da história da cidade, é que os testemunhos desta época me chegaram via lembrança da Rua do Egito, como assinala Avelar Santos em crônica esclarecedora daqueles tempos: a rua era habitada por “trabalhadores das Oficinas, gente do povo, pequenos comerciantes. Era uma rua tranquila, mas efervescente”. (SANTOS, Avelar. Rua do Egito. In: O Literário. Ano VII, Edição 04, fevereiro de 2006. Camocim-CE, p.2.)

Um outro estudioso, Pe. Luís Ximenes, em Paixão Ferroviária, rememora sua rua e seu fascínio pelos trens: “Menino da Rua do Egito em Camocim, filho de maquinista, morando à beira da linha, eu terminei ficando com o trem no sangue, como diz Rachel de Queiroz”. 

Este espaço foi o universo das brincadeiras infantis destes filhos de ferroviários e a falta do trem, tempos depois, parece ferir-lhes a alma. Pe. Luís Ximenes lamenta: A quadra das antigas oficinas de Camocim, cercada de uma muralha, transformou-se num verdadeiro Saara, e tudo sem o trem ficou mais deserto, sem um oásis, sem um pedaço de ferro, sem bigorna, sem uma única sombra de uma velha maria-fumaça. 

Anos atrás, ainda havia o consolo da presença de sucatas que eram vistas como relíquias pelos olhos dos saudosistas. Hoje, nem mais sucatas, e Camocim correndo atrás de um trem que anda fugindo dele, como Juca Mulato corria atrás de seu sonho de amor sem poder tocá-lo nunca. (XIMENES, Pe. Luís. Paixão Ferroviária. p.11- 2). 

Fosse Camocim um município que cuidasse de sua história, algum projeto de recuperação, revitalização e um novo uso daquele espaço, já teria tido a atenção dos seus governantes. Enquanto isso, vamos vivendo de lembranças...

Texto extraído do livro "A Nostalgia dos Apitos", de Carlos Augusto P. dos Santos