Por Ligia Moraes
Brincar de ser adulto, principalmente na frente do espelho e da câmera do celular, não raro ganha contornos preocupantes quando instiga a busca por um padrão de beleza distante da faixa etária e da realidade. E é a esse fenômeno que se assiste hoje com apelos cada vez mais precoces para meninas iniciarem uma rotina de cuidados e retoques na pele.
O skincare, que engloba a adoção de medidas e produtos para manter o rosto bonito e saudável — entre eles géis de limpeza, loções hidratantes e cremes anti-idade —, agora é propagandeado para um público que não precisa disso: crianças e adolescentes. A moda, claro, é impulsionada pelas mídias sociais, com destaque para o TikTok, antro dos mais novinhos. Algoritmos inteligentes rastreiam o que eles querem e vendem sonhos, frequentemente superfaturados, embalados por influencers de plantão.
Quem nada de braçada nesses mares digitais e pode ser enredado por promessas e ilusões ali presentes é a geração alfa, os nascidos depois de 2010 em um mundo onde smartphones e tablets já eram onipresentes.
A porta de entrada para a internet é também um passaporte para vídeos e outros conteúdos que induzem a meninada a se comportar feito adultos. Ainda que as redes sociais só permitam usuários após os 13 anos, é evidente que poucas barreiras existem para limitar o mergulho nessas águas viciantes e salpicadas de ideias marqueteiras. Não é à toa, diga-se, que influenciadores infantis tornaram-se uma categoria à parte nas plataformas. A americana Paige Marrit, de 8 anos, é um deles.
Em vídeos, conta como são seus dias na escola enquanto se maquia. Sua entonação e expressões lembram os de uma menina bem mais velha, possivelmente emulando as inspirações on-line. E é assim que umas estimulam as outras a pleitear cuidados com o rosto e o corpo que, transpostos para as telas, são sinônimo de curtidas e sucesso — uma tendência que não encontra fronteiras e ganha terreno entre jovens brasileiras.
O que aflige é ver a exposição de garotas que nem chegaram à puberdade a padrões de beleza e sexualidade que podem fazer mal até mesmo a adultos, criando uma obsessão pela imagem e pelos artifícios para transformá-la. Nada a ver com a pintura lúdica que a criançada gosta. “A maquiagem pode fazer parte da vida das mais jovens, mas, a partir do momento que se torna central no cotidiano, vira um problema”, diz Danielle Admoni, psiquiatra da infância e adolescência da Unifesp.
“Cabe aos responsáveis dialogar com seus filhos para evitar essa estética irrealista.” Fora o marketing das blogueiras, a publicidade de algumas linhas de produtos promete maravilhas para um público que ainda não tem a maturidade e o senso crítico para lidar com tantas iscas. “A vaidade é a ponta do iceberg. Hoje a felicidade está atrelada a esses aspectos físicos, estimulando os mais novos a só se sentirem realizados após a compra de um determinado creme ou maquiagem”, afirma Danielle.
Além da pressão emocional, o uso de produtos de beleza pode trazer prejuízos à saúde.
Crianças e adolescentes consomem uma diversidade de itens sem saber para que idade
e tipo de pele são indicados, com risco de alergias, entre outras reações.
“A maioria dos
produtos é desenvolvida para uma pele madura, de pessoas acima dos 25 anos. Numa
criança pode haver irritação, manchas, obstrução de poros”, alerta a médica Paula
Rahal, da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). A indústria dos chamados
“cosméticos para crianças” tem se expandido. Porém, mesmo com a promessa de
ofertar produtos lúdicos, livres de alergênicos, pode haver problemas.
Nesse contexto,
um estudo da Universidade Columbia, nos EUA, revelou que a maioria das crianças
utiliza produtos corporais e maquiagens com ingredientes potencialmente tóxicos. Ou
seja, não há vantagem alguma em aderir à moda tão cedo — pelo contrário. “A pele
jovem só precisa de higiene, hidratação leve e proteção solar”, resume Rahal. É uma
péssima brincadeira querer se antecipar ao tempo.
Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2024, edição nº 2877