sábado, 17 de fevereiro de 2024

INSÔNIA

Por Carlos Cardeal

É noite alta, da janela do meu quarto só vejo escuridão; não tem lua, e o céu é triste e pobre de estrelas, não tem a lua, infelizmente, para tudo parecer um conto. Somente a insônia vem para interromper meus sonhos.

Tudo é silêncio, apenas o cantar dos galos e o barulho dos gatos no cio sobre o telhado me dão a certeza de que lá fora há vida. Vez por outra, o vento traz barulho de música, mas até o vento, nesta noite escura, é muito escasso.

As casas de festas noturnas, bares e restaurantes funcionam regularmente, e eu sei que seria melhor se estivesse por lá, mas lá eu não posso estar. Sinto-me “persona non grata”, estou pra baixo.

A insônia é minha única companheira, mas não é uma boa companhia para cabeceira. Ela insiste, gruda e não larga. Tento ler. Procuro ver televisão; mas é tudo em vão. Se ao menos tivesse a chuva com goteiras no telhado para me embalar o sono. O som da chuva no telhado é cantiga de ninar e ainda serve para afugentar os gatos. É incrível como a insônia é silenciosa e provoca tanta inquietude e pensamentos torpes.

Dizem os poetas que ela é uma boa amante, mas para mim ela é uma madrasta tirana, pois, além de me tirar a paz, me faz pecar por pensamentos, arquitetando os pecados de palavras e obras. A insônia é tão má que é capaz de me fazer pensar no que pensam os outros; e seus pensamentos são vazios como os meus, ou se são construtivos como os que nunca tive.

É alta madrugada, na rua passam bêbados e bêbadas às gargalhadas e eu penso: Será que são felizes? É provável que sim, pois talvez não pensem. Com o barulho de estranhos humanos, os gatos dão uma trégua, mas logo retornam com seus clamores felinos.

A coruja rasga-mortalha com seu crocitar agourento corta o negro céu e vai tomar pouso no coqueiro, onde urubus costumeiramente usam-no como dormitório.
No piso do meu quarto, uma página de “O Literário” começa a se locomover, chego a pensar em visagem, coisa do outro mundo, trazendo assombração, mas lembro que todos os membros do Grêmio Literário ainda estão vivos e, aliviado, recolho a página e constato ser apenas uma barata cascuda que se colocou entre a folha e o chão e dali resolveu dar um passeio, arrastando o papel.

Até isso acontece numa noite de insônia. Com o romper da aurora, o sono chegou, mas um grilo com estridente cricrilar o espantou e, e com ele e os maus pensamentos, eu vi o nascer do sol.

A pior conseqüência que traz uma insônia é nos fazer pensar como pensam os suicidas. “Na vida o que é bom, se não é pecado, faz mal à saúde”.

Carlos Cardeal (Escritor e membro da Academia de Ciências, Artes e Letras de Camocim)