Situado na parte oriental da cidade da Babilônia, num suntuoso palácio, com visão privilegiada do Eufrates, rodeado por belos jardins, o Tribunal de Apelação estava reunido, naquela manhã distante, sob a mão de ferro do perverso juiz Adramalec.
Dentre os assuntos da pauta do dia, um dizia respeito ao pedido de soltura de um conhecido comerciante de vinhos, preso, injustamente, há meses, com a anuência vergonhosa dos membros da Corte, por ter se insurgido contra o novo imposto das mercadorias vindas do estrangeiro.
O juiz, conhecido por sua crueldade e luxúria desmedidas, mal ouvia, agora, as alegações finais do advogado de defesa, que argumentava, com sabedoria, que seu cliente não cometera crime algum, expressando, somente, o seu completo desagrado contra aquela abusiva taxação.
Requeria, portanto, o causídico, com base nos autos do processo, a libertação imediata do acusado, em face, sobretudo, de sua saúde precária, aliada à idade avançada, solicitando, com voz convincente, ao magistrado, justa clemência para o réu.
Despejando um olhar vazio de compaixão sobre aquele infeliz, que se encontrava bastante abatido, a um canto, aguardando a sentença, o maldoso magistrado, com o barco dos pensamentos navegando além do Tigre, deslizando, apressados, para os braços macios de Isthar, sua amante, fez um gesto exigindo atenção.
Diante daquilo, o defensor emudeceu, enquanto o plenário aguçava ainda mais os ouvidos, aguardando, pressuroso, o veredicto do togado-mor, sabedores, desde sempre, que aquela Corte jamais se preocupava em fazer justiça, cujas penas impostas aos condenados, se somadas todas, chegariam, tranquilamente, até o Dia do Juízo Final.
E, mais uma vez, o draconiano juiz rasgou a lei, impondo a sua vontade tirânica, não acatando nenhum pedido de clemência a ele dirigido.
Cansado de esperar em vão pela liberdade, macerado pelo sofrimento atroz, no cárcere, não demorou nada para que o pacato comerciante batesse, finalmente, à porta do céu.
Do alto da sua empáfia, Adramalec, por sua vez, à medida que o tempo corria, sem que ninguém ousasse contestar suas ações abjetas, perpetradas, inclusive, contra pessoas inocentes, exercia, com extrema arrogância, sua tirania no Tribunal Supremo.
Por séculos, silenciosos, os zigurates testemunharam os caminhos trilhados pelas estrelas, trazendo, até nós, o brilho inconfundível da grande civilização suméria.
No vão das coisas que jamais se perdem, as perversidades do juiz babilônico perpassaram as gerações, revelando que as trevas do mal podem encobrir, por vezes, o luzir do bem, sendo dissipadas, apenas, quando não nos calamos diante de injustiças, doando a própria vida, se preciso for, para repormos, com altivez, o direito na sua plenitude.
E, assim, deveria caminhar a humanidade!
*Professor e Escritor Camocinense