Brasil, este nosso imenso país de dimensões continentais, tem espalhado em seu território de Norte a Sul, milhares de cidadezinhas de nomes curiosas e cheias de peculiaridades, repletas de fatos, acontecimentos, figuras típicas e todo tipo de história e estória.
A nossa bela Camocim, pérola do Atlântico no Litoral Norte do Estado do Ceará, não poderia ser diferente. Cidade centenária, 128 anos apenas. Nos primórdios, habitada pela valente e pujante tribo dos Tremembés, que exploravam o litoral, as matas nativas, bem como praticavam caça e pesca.
Homens fortes e sadios. Faziam invólucros fúnebres de argila em forma de pote nos quais sepultavam seus mortos. De acordo com o indianista e escritor cearense, José de Alencar, daí deriva-se o nome da cidade. Conforme o mesmo indianista, este artefato em forma de pote, chamava-se na linguagem dos Tremembés, “Camothim.”
No decorrer dos seus anos de existência, Camocim sempre se destacou no cenário da economia e da política estadual. Nos anos dourados teve o maior e mais movimentado porto do Estado; a Rede Ferroviário que tinha na cidade a sua última estação, também trazia progresso. Depois da derrocada do porto e do trem, foi a vez da pesca industrial, e Camocim tornou-se um dos maiores polos pesqueiros do país, com destaque para a pesca da lagosta. Também o setor entrou em crise a cidade sentiu os efeitos, mas descobriu outra vocação: o turismo.
Abençoada por Deus, banhada pelo Oceano Atlântico, com grandes e vastos manguezais, dunas e falésias, além de uma enorme bacia hídrica composta por três grandes lagos; Cangalhas, Boqueirão e Lago Seco.
É nesta paradisíaca cidade que também vamos encontrar tipos folclóricos. Vários existem. Nesta narrativa intitulada “O vinte e cinco” faço uma apologia a um desses tipos, ou seria típico?
Vianey é o que se poderia chamar de um sujeito no mínimo excêntrico. De família tradicional, Vianey possuía um talhe esbelto, alto, branco avermelhado, do tipo expansivo, dono de uma inteligência privilegiada, sem medo de dizer a verdade ou pelo menos a sua verdade.
Tinha um gosto por aventuras exóticas e perigosas, entre várias destacava-se a maneira como subia no poste de energia, passando por entre os fios ligados, equilibrando-se no cimo do mesmo e de lá pulando de cabeça no rio, bem ali no trampolim da “Pracinha do Amor”. Não fazia para aparecer ou por dinheiro, mas sim por prazer. Gostava de desafiar o perigo.
Outra característica de Vianey era sua revolta contra políticos e poderosos que nada fazem pelo povo. De uma feita, em plena praça pública, quando o Governador do Estado, discursava, com a praça apinhada de gente, Vianey levantou a voz em protesto e saiu andando resolutamente rumo ao palanque, tendo de ser detido pela segurança.
Eis aqui mais um “causo” típico do meu amigo Vianey: Nos anos 70, a família possuía uma espécie de restaurante, num aprazível local na beira-mar (atual Budega Nordestina).
A noite era ali na “Cabana” que a juventude da época reunia-se. Era o “Point” da cidade.
Era gerenciada pela a mãe do referido. Mas como tudo tem fim, com o passar dos anos a família resolveu fechar o estabelecimento, o que foi uma pena, pois o lugar era ideal. Ainda hoje lá está do mesmo jeito, nada foi feito. A casa de morada da família ficava logo ao lado, visto que eram proprietários de boa parte do quarteirão.
Acontece que a referida senhora veio a falecer. O tempo passou. Depois de alguns anos sem andar em Camocim, um viajante que outrora sempre vinha à nossa cidade retornou, e resolveu ir a cabana, pois era freguês sempre que aqui estava. Chegando ao local encontrou tudo fechado. Ficou triste. Já ia entrando no carro para ir a outro lugar, quando veio-lhe à lembrança que a proprietária morava logo ao lado. Como o mesmo tinha por ela grande afeição, resolveu fazer-lhe uma visita cordial. Deu alguns passos e bateu à porta.
Quem atendeu foi o Vianey. _O que o senhor deseja? (indagou) _ Amigo, é que fazem vários anos que não venho a Camocim, e como era freguês da Cabana, e encontrei fechada, também por ser amigo da proprietária, resolvi fazer-lhe uma visita. Ela está? (Vianey nem sequer mudou o tom da voz) _ Não senhor! Ela não mora mais aqui! Mudou-se.
(Viajante) _ Ah! Desculpe (já ia saindo quando retornou de repente) _O senhor sabe onde ela está? _ Sei. Ela está morando na Rua da Independência número 25. (respondeu o Vianey)_ Obrigado (disse o viajante).
Vianey fechou a porta e entrou. O viajante, como não tinha mais nada para fazer aquela hora, até mesmo para matar o tempo, e como já tinha chegado até ali, resolveu ir até o fim.
A um quarteirão e meio do local fica o inicio da Rua Independência, que corta a cidade verticalmente, dividindo os lados Norte e Sul. Ele saiu devagar olhando os números das casas que iam diminuindo em sequência, já estava quase no fim da rua, e nada do 25.
As casas terminaram, logo a frente existia um muro, ele resolveu ir até lá. Para a sua surpresa, ao olhar com mais atenção, era um cemitério, mesmo assim seguiu. Ao chegar no portão do mesmo, parou, e ficou pasmado, pois logo acima do portão, dentro de um circulo, lá estava feito de argamassa em alto-relevo o número 25, medindo uns 15 centímetros. Só um cego não veria.
O rapaz não se conformou, deu a volta e retornou. Tocou novamente a campainha. Vianey o atendeu:_ Amigo, eu sou aquele que esteve aqui alguns minutos atrás. (disse o viajante) _Estou vendo! O que o senhor quer agora? (respondeu Vianey) _É que estou confuso. O senhor me disse que ela não morava mais aqui, e me deu seu novo endereço, mas acho que o senhor se enganou, pois procurei no referido, e lá é um cemitério. _Não! O senhor não se enganou, pois ela já não mora mais nesta casa, ela faleceu e mudou-se pra lá. Em que lugar é que moram os mortos, senão no cemitério!? O viajante ficou embasbacado sem poder falar, pois não sabia o que dizer. Despediu-se e foi embora.
Alguns anos já se passaram desse episódio. Somente Vianey com sua mente aguçada, sua perspicácia e argúcia, notou o que as outras pessoas viam, mas deixavam passar despercebidamente, ou seja, o número 25 na porta do cemitério. Ninguém jamais iria atentar para número em cemitério, até mesmo porque não se manda correspondência para tal lugar.
Hoje salvo quem não é da cidade, ou exceções, é só falar no 25 que todos já sabem do que se trata. Até piada faz-se com quem está doente: _Cuidado! Senão você vai parar no 25. Ou seja, em Camocim, 25 é sinônimo de cemitério.
Vianey há vários anos não vem a Camocim. Até nisso ele é polêmico. Não se sabe o seu paradeiro. Dizem estar no garimpo, ainda há os que dizem estar numa casa de repouso. São vários os comentários. Seja qual for o verdadeiro, que Deus o proteja “amigo Vianey”, e se possível o conduza são e salvo de volta para a terrinha, que com certeza o ama e o acolherá bem como aos seus filhos pródigos.
*Radialista, Compositor, Escritor e ex-Presidente da Academia de Ciências, Artes e Letras de Camocim