Uma das medidas impostas pelo tão falado “apagão”, me deixou deveras triste: foi a que inseriu o circo (espetáculo circense) no rol das proibições no que diz respeito à diversão noturna.
Talvez por ser eu grande admirador e fã do circo, se poderes tivesse revogaria tal medida, abrindo um adendo especial para que o circo não fosse prejudicado. Ora, pois todos sabemos que não seriam os espetáculos circenses que nos levariam ao caos.
O circo sempre teve importância na minha vida, acredito que na vida da grande maioria das crianças, e, porque não falar também nos adultos, em todo o mundo.
O circo muda a rotina de uma cidade desde a hora em que chega, trazendo no bojo, alegria, descontração, desafios, números fantásticos, animais incríveis, e o que dizer dos palhaços que com seus trejeitos e caras pintadas já nos fazem rir. É a magia do circo.
A molecada delira, os adultos fingem levar os filhos, mas na realidade tudo não passa de mero pretexto para irem ao circo também, e terminam disputando, palmo a palmo, os melhores lugares.
No circo tudo é mágico, como já foi citado. Desde a hora da chegada, passando pela montagem, o enfio dos mastros, o levantamento da lona, a construção do picadeiro, das arquibancadas (poleiro), as jaulas dos animais, anões, vendedores de pipocas, doces, sorvetes, balas, etc. Tudo faz parte de um mundo diferente.
É uma pequena ilha recheada de magia e sedução. E quando os holofotes se acendem e o mestre de cerimônia brada em alto e bom som o seu “Respeitável público”, começa a desfilar diante dos olhos ávidos da platéia: Dançarinas, Malabaristas, Equilibristas, Trapezistas, Domadores, Mágicos e palhaços num seqüencial programado sempre com a seguinte deixa: ‘‘O espetáculo não pode parar”!
E o público aplaude, vaia rir, chora , assusta-se, aliviando seus temores e preocupações do estressante dia-a-dia.
Todos voltam para casa mais leves, contentes, e, no outro dia tecem os mais diversos comentários: ”Foi bom!” - “Você viu aquele número’’? Na noite seguinte, mesmo sabendo o que vai acontecer, voltam novamente, pois somente o circo, embora repetitivo, sempre consegue nos emocionar.
Aqui em Camocim já passaram vários circos. Grandes empresas; outros pequenos e humildes. Mas, do meu tempo de moleque, um desses marcou-me para sempre.
Chamava-se: “Circo do Panelinha”. Era pequeno e pobre, sem cobertura, apenas a lona lateral. Talvez por isso o nome “panelinha’’. A molecada também o chamava “penico sem tampa". Panelinha era o nome do proprietário, que também era palhaço, mágico, apresentador, etc.
Quando o circo do panelinha chegava, a meninada já sabia: O palhaço panelinha saía à rua (era assim que anunciava) a molecada atrás, e tome o velho jargão: “olha o palhaço na rua!”, no que a turma respondia: ‘‘Ladrão de perua’’ ‘‘olha o palhaço na linha’’ resposta: ‘‘Ladrão de galinha!” Outra vez mais o Panelinha: “E o palhaço, quem é?” e tinha por resposta: ‘‘Ladrão de mulher!”. E por aí afora percorriam as principais ruas, anunciando o espetáculo. Como prêmio, cada colaborador (menino) ganhava um passe.
Nunca vi palhaço mais engraçado que Panelinha. Além de tudo era um grande mágico e prestidigitador, retirando moedas do nariz da molecada. Num de seus números mais famosos, fazia um menino, que escolhia da platéia, pôr um ovo em pleno palco. Aquele coitado tinha que ficar escondido um bom tempo, pois virava motivo de gozação até a próxima vítima do Panelinha.
Faz muitos anos que não mais ouço falar do Panelinha, nem do seu circo (penico sem tampa). Talvez tenha morrido ou está velho demais e não mais aguente o tranco. Mas o circo, partindo para o geral, este sim está vivo.
Nem o cinema, a televisão, o vídeogame ou a internet, nada disso conseguiu ou conseguirá derrubá-lo, pois somente o circo tem o poder de despertar a criança que fomos e que sempre seremos, embora adormecida, mas sempre dentro de nós. Só o circo consegue penetrar na pureza da alma da criança, que se identifica com a magia do conto de fadas.
Oxalá São Pedro faça chover logo, o mais rápido possível, em nossos reservatórios, não só para livrar-nos do racionamento, mas também para que, novamente, possamos ouvir nas noites, pelo Brasil afora, a indiscutível e mágica citação: ‘‘Respeitável público, o espetáculo não pode parar!”.
*Radialista, Compositor, Escritor e ex-Presidente da Academia de Ciências, Artes e Letras de Camocim
Texto escrito em junho de 2001