domingo, 21 de julho de 2024

RUA DO EGITO

Por Avelar Santos*

A velha Usina, desgastada, pobrezinha, atualmente, pelo tempo, trabalhou, por anos a fio, para afastar o breu da noite, deixou, em todos os camocinenses, uma saudade sem fim.

Ali, onde ela se encontrava, era uma espécie de última - e intransponível fronteira. 

No sentido Norte-Sul, até a rabugenta Usina de Força, distendia-se a Rua 24 de Maio, onde meus avós paternos (Antônio dos Santos e Guida) moravam, numa casa simples, que tinha fortes dores de cabeça devido os ruídos constantes das máquinas 

A partir dali, surgia a charmosa Rua do Egito.

O nome sugestivo, creio eu, devia-se ao mar de areia fofa, cuja brancura nos chegava os olhos, que a acompanhava em todo o percurso, olhando, admirado, as casas de fachadas imponentes que se debruçavam, silenciosas, sobre o plácido logradouro.  

Suas calçadas, de altura incomum, observavam, com curiosidade, áqueles que se aventuravam a enfrentar os desafios de trilhar aquela parte "indigesta" da cidade.

Estamos na época dourada dos inebriantes anos 60!

Camocim, bela adolescente, mostrava-se, radiante, na sua mais pueril roupagem. 

A vida citadina, de uma simplicidade franciscana, transcorria tranquilamente. 

Os navios atracavam por estas plagas, trazendo-nos "especiarias", de lugares distantes, levando, de volta, nos seus porões enormes, um bem precioso, o ouro branco vindo das salinas.

O trem, que felicidade,  compunha a sua música rítmica, inesquecível, saindo, de mansinho, às cinco da madrugada, e voltando, feliz, à tardinha. 

Uma multidão impaciente sempre o esperava ansiosa. 

Quando ele dava sinais de vida, a apitar, longamente  no Salgadinho, não víamos a hora de vê-lo, magistral, de um salto acrobático, romper a distância que o separava de sua morada.

É nesse contexto do Camocim bucólico, insuperável, com poucas ruas pavimentadas com pedra tosca, circunscritas a um pequeno quadrilátero burguês, no centro, que a Rua do Egito se destacava.

Nela residiam os funcionários das oficinas da RVC, gente do povo, pequenos comerciantes.

Era uma rua tranquila, porém efervescente.

Ao meio-dia, com o Sol escaldante a perscrutar o íntimo das pessoas, lá, na Rua do Egito, era comum  as pessoas voltarem do trabalho, com os pés afundando na areia quente, tentando suplantar aquele obstáculo natural que lhes impedia caminhar direito.

Levas de animais de carga, coitadinhos, estafados, vergados sob tanto peso, andavam, a passos lentos,  em fila indiana, ruminando pensamentos impublicáveis   acerca de seus impiedosos donos, pelos maus tratos que sofriam no dia a dia. 

À noite as famílias se sentavam, nas calçadas, aproveitando a brisa do mar, e discorriam sobre os acontecimentos cotidianos de forma pausada e pueril.

Até às 23:00 h havia luz elétrica - e muita conversa. 

Depois, a Usina ia dormir, a sono solto, de tão cansada;  só as estrelas - e a lua - iluminavam a cidade.

 E, assim, a vida seguia o seu interminável curso...

*Professor e Escritor Camocinense