domingo, 18 de agosto de 2024

O DONO DA NOITE

Por Avelar Santos* 

Na esfuziante Fortaleza da década de 70 do século passado, a Praça da Estação era um terminal de ônibus, regurgitando de gente todas as horas.

Certa vez, alguns amigos que residiam no NEC – Núcleo dos Estudantes de Camocim, situado à Rua Liberato Barroso, perto do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, resolveram bater asas rumo às “pensões familiares” da Castro e Silva, especialmente a de D.Vitalina, onde, diziam, à boca miúda, havia sempre belas mulheres, de arrasar quarteirão, enlouquecendo os marmanjos quando passavam rebolando as ancas provocadoramente.

Era sexta-feira! A cidade, festeira, emborcava litros de cachaça a perder da conta, na feliz antessala das festas dos clubes suburbanos, com destaque para o charmoso Santa Cruz à Rua Padre Mororó. 

Como de costume, o Chico Preá havia tomado todas, e já estava ficando meio zoró, ainda cedo da noite, quando alguém teve a infeliz ideia de convidá-lo para uma visita, nada social, às  quengas de D Vitalina. 

Aquilo foi rastilho de pólvora perto de fogo! 

Logo após o convite, ele, rapidamente, trocou a beca e pegou a sua capanga, de gosto duvidoso, é verdade, bizarramente estampada, onde colocou alguns trocados, além de seus documentos pessoais, explodindo de alegria,  imaginando a farra caliguliana que fariam.

Cantando amor febril, cadenciando bem o passo, para não chegarem suados, ao destino, o Bigodinho, o Pedro Fulô e o Chico Preá partiram para a noitada alencarina, admirando a mulherada que passava, tecendo-lhes certos elogios, dos quais melhor silenciar,  recebendo, em troca, impropérios cabeludos disparados pelas damas.

Safadeza vai, safadeza vem, eis que eles se deparam com a luz vermelha da “pensão familiar” de D. Vitalina. 

Como emissários do rei, exibindo mesmo porte de palmeira imperial, todos  três entram no cabaré. 

Vendo de longe um magote de matutos dando sopa, a dona do bordel, passada na casca do alho, chamou duas belas cotrovias, que palravam à porta, e, com o indicador enrugado, apontando para a inocente rapaziada, indicou-lhes o rumo que deviam seguir. 

Não mais que depressa, o mulherio já estava em cima deles, convidando-os, com delicadeza, sorridentes, a tomarem um pouco de ar fresco, no andar de cima, onde ficavam os quartos.

Para azar do Chico Preá, umas delas, de pronto, divisou a extravagante bolsa colorida dele, e, supondo, pelo volume, muita grana, derramou-se em gentilezas, deixando-o boquiaberto e  satisfeito.

Como dois pombinhos apaixonados subiram imediatamente para a aconchegante alcova.

Acerca dos fatos íntimos nada posso falar, muito embora o Preá tenha ouvido insistentemente sussurros e gemidos que o deixaram deveras contente consigo mesmo pela performance.  

Só sei que, depois das considerações finais, se é que me entendem, os dois amigos apressados saíram, deixando o Chico, coitado, às voltas com o parafuso da orgia mais escancarada.

Como o serviço foi muito bom, o Chico Preá gastou o suado dinheirinho que ele trazia, ficando liso de novo.

Despedindo-se da donzela com mil amabilidades, prometendo voltar na primeira hora que tivesse, como se fora um legítimo Lord inglês, ele dirigiu seus trôpegos passos rumo à Praça da Estação no intuito  de pegar o busão coruja que o deixaria no NEC.

Alta madrugada, aquele local estava praticamente deserto, vendo-se, aqui e ali, homens mal encarados conversando à meia voz.

Quando o Chico Preá, afinal, chegou ao ponto exato do seu coletivo, um camarada atarracado, atraído pela capanga vistosa, exibida,  chegou até ele e, zapt, sem cerimônia, levantou a blusa, mostrando-lhe, além do bucho, o cabo do revólver 38, anunciando o assalto. 

Tomado de susto, o Chico Preá, com presença de espirito, deu-lhe um empurrão, e, com voz tonitruante, disse-lhe que procurasse outro palerma para os seus maldosos intentos, por que ele também pertencia à sereníssima fraternidade dos ladrões fortalezenses e aquele era o seu pedaço. 

Invocado com os modos como o Chico o tratara, o meliante imediatamente desconversou, só faltando pedir-lhe desculpas por seu ato tresloucado - e saiu à francesa de perto dele. 

Para sorte do Preá, o busão chegara, por fim, e ele, mais depressa do que Jesse Owens, entrou, esbaforido, respirando com dificuldade,  sentando-se próximo ao trocador, com o coração saindo pela boca, livre de quaisquer resquícios de merol no cérebro vazio  totalmente de neurônios. 

Depois de poucos instantes, o ônibus, com mais alguns outros passageiros, partia para sua última jornada.

No outro dia, um sábado, o Bigodinho e o Pedro Fulô convidaram-no, novamente, para um passeio, lá para as bandas da Barra do Ceará, mas o Chico amanhecera ressabiado com os últimos acontecimentos, não se dispondo mais, de jeito algum, abusar de sua sorte. 

Na volta, disseram eles, candidamente, querendo convencê-lo, ficariam dando uns amassos na mulherada do Grêmio dos Ferroviários, na  Avenida Francisco Sá.

Sorrindo timidamente, ainda com a lembrança nítida do perigo de vida que correra, na noite anterior, o Chico Preá agradeceu-lhes o convite - e disse-lhes que se sentia um pouco indisposto, além de bastante cansado, preferindo entregar-se, sem demora, ao sono reparador.

E assim o fez, dando ouvido de mercador às investidas daquela dupla de amigos que o tentavam para mais uma escapadela noturna!

Quem sabe, no outro fim de semana uma noitada feliz o esperaria, pensara com os seus anêmicos botões.

*Professor e Escritor Camocinense