sábado, 28 de setembro de 2024

A ROTA DO SOL

Por Avelar Santos* 

Das glórias do passado, transpondo Rubicões, vencendo desafios, de feitos e conquistas memoráveis, Camocim emerge, altaneira, irradiando uma miríade de cores, na pujante efervescência dos seus 145 anos de existência, firmando-se, majestosa, no litoral oeste da Terra da Luz, como radiante Princesa do Mar.

Vivi os seus anos dourados, na mocidade, época fugaz de tantos sonhos, em que ela, menina moça, cheia de encantos, perfazendo a rota do Sol, contemplava, serena, cotidianamente, os navios adentrando o seu porto, e o trem, enchendo de sublime alegria a nossa vida franciscana, onde os apitos plangentes ecoavam pelos ares, e, macios, faziam festa nos nossos ouvidos, reverberando, alto, como o toque do sino da Matriz de Bom Jesus dos Navegantes, que, solenemente, chamava os fiéis todo fim de tarde para a louvação ao Senhor, nas missas rezadas ainda em Latim, conduzidas por Pe. Ivan Pereira de Carvalho e Monsenhor Inácio Magalhães, cujas prédicas, fincadas na doçura das palavras do Evangelho, nos faziam sonhar com um novo e abençoado amanhã.

E eis que a ampulheta do tempo se esvaiu tão depressa, levando consigo tanta coisa, que nem mesmo permitiu o meu singelo adeus aos amigos que se foram, que um dia comungaram comigo da inebriante vida do Camocim de antigamente, dos inesquecíveis carnavais de clube, abrilhantados pelo trompete do Truaca e pelo sax do Maestro Basílio, da harmonia de suas ruas e praças, de um tablado de xadrez, da Voz de Camocim e dos Sonoros Pinto Martins a romperem a bucólica quietude da noite com as famosas páginas musicais que tanto nos alegravam, das serenatas ao luar, de tantos amores; tudo isso se encontra enraizado tão forte nos escuros porões de minha incipiente memória, que hei de levar suas lembranças pela eternidade inteira, posto que minha alma vagueia de forma incessante pelo labirinto infindo de seus manguezais, tentando, pobre infeliz, compor novamente os fragmentos esparsos dos tempos idos, que, de forma crudelíssima, partiram de vez – e não voltam jamais.

É preciso ter olhos para ver tanta beleza, que o Criador, artífice do Universo, nos doou com tanto gosto, pintando a Natureza que nos rodeia de forma tão exuberante, e também necessário se faz ter um coração generoso, de criança, onde todos os sonhos ainda caibam no seu âmago, sem se apertarem em demasia nesse exíguo espaço, para se poder sentir o grandioso pulsar da cidade, que cresceu, tornou-se cosmopolita, mas que, mantém intacto seu carisma arrebatador e o brilho refulgente de sua chama, transbordante de calor humano, e de paz, que um dia brilhou forte no Farol do Trapiá, sob a luz do caminhar incessante das lamparinas celestes.

Sou um simples rabiscador de poesia, de estórias mil que povoam minha mente, eterno apaixonado por Camocim, cidade amada, cujos diletos filhos, nessa data especial, se debruçam sobre ela, mãe amorosa, rogando ao Senhor da Messe que não permita nunca que as esperanças partam em definitiva revoada dos pombais dos corações.

*Professor e Escritor Camocinense