domingo, 20 de outubro de 2024

MADEIRAS DO ORIENTE

Por José Maria Trévia 
(Escritor Camocinense)

Transcorria o ano de 1963 e nos aproximávamos do dia 14 de junho, data de meu aniversário. Coincidentemente, aquela seria, também, a data de aniversário de minha namorada, naqueles idos, início de minha juventude.

Eram tempos de pouco dinheiro e a aproximação de datas que demandavam presentes, sempre me era preocupante, tendo que partir em busca de alternativas plausíveis, que se constituíssem em solução, para presentear a jovem pretendida. Reconhecidamente, o costume tornara inaceitável que o transcurso daqueles natalícios não viessem acompanhados de uma oferta, como manifestação de apreço.

Assim, após algumas tentativas frustradas, encontrei a solução com minha irmã, que mantinha guardado, há algum tempo, um vidro de perfume Madeiras do Oriente.

Como se sabe, este perfume traz, também, acondicionados no recipiente, dois pequenos palitos de madeira, amarrados, entre si por dois lindos cordões coloridos, os quais lhe concedem, ou lhe acentuam, a fragrância. 

Pelo visto, estava praticamente resolvido o problema, faltando, apenas, caprichar na embalagem da pequena caixa, contendo o frasco, e presentear a amada por ocasião da auspiciosa data.

Entretanto, paralelo a tudo isto, existia uma história, que parece ter sido feita sob, medida, para complicar o meu romance: minha irmã vivia um casamento tumultuado pela vida boêmia de seu marido, o qual era afeito, até demais, a um rabo de saia. 

Ela, bastante ciumenta, vivia à cata de desvendar as aventuras do “Casanova” e complementava a demonstração de sua insegurança, com a busca de simpatias, e até orações, que concedessem um caráter de fidelidade ao seu marido “pulador-de-cercas”. Acontece que, uma dessas orações, que lhe fora indicada por uma de suas “fiéis amigas“, havia sido escondida dentro da caixa, junto ao citado vidro de perfume.

Papel para presente, embalagem bem feita, tudo bonitinho, mas minha irmã havia esquecido, e eu não havia percebido que o ovo da serpente, também, estava acondicionado na embalagem colorida.

Dia 14 de junho de 1963. Lá se foi o presente, pelas mãos de uma amiga do casal, vez que as relações dos namorados andavam estremecidas e o mesmo não seria entregue, pessoalmente. Coisas típicas dos namorados adolescentes daqueles tempos.

Até o dia seguinte, eu não havia percebido nenhum efeito do meu gesto apaziguador. Tomara a iniciativa de fazer as pazes, mas não observara nenhum gesto de reciprocidade. Aquilo me inquietou e resolvi, então, partir em busca de informações sobre o que havia ocorrido. Quanto às fontes, sempre sabemos onde encontrá-las, pois invariavelmente conhecemos as amigas mais chegadas e, reconhecidamente, confidentes. 

Foi, assim, que tomei conhecimento da enrascada na qual me metera: a aniversariante recebera o presente, com satisfação, abrindo-o na presença de uma de suas irmãs e da própria mensageira, minha amiga. 

Examinado o vidro de perfume, os dois pauzinhos amarrados, até que passaram despercebidos, mas as buscas por um cartão ou bilhete, na caixa, levaram à descoberta de uma oração, escrita com letra feminina e que falava em amor eterno e fidelidade incondicional, citando, ainda, nomes de santos desconhecidos até pelos católicos mais fervorosos. O pivô da discórdia estava à mostra. O vidro foi novamente examinado, agora, com desconfiança, e as atenções se voltaram para os dois pauzinhos, amarrados com fios coloridos.

– Meu Deus, isto é macumba, exclamou perplexa a irmã.

– Solte isto, jogue fora, grita a amiga muito aflita.

Não houve mais quem ousasse tocar em nada. Tudo foi transportado para local próximo ao muro defronte, do outro lado da rua, enrolado em papéis, sem nenhum contato direto, por mais leve que fosse. E, lá, o vidro de perfume foi apedrejado e quebrado, caixa e papéis queimados, na esperança de que o suposto “despacho” fosse desfeito.

A reafirmação do namoro não mais foi possível e o mal-entendido jamais foi, devidamente, esclarecido.

Imagino o quanto teria sido difícil convencer aquelas pessoas de que nada tinha eu a ver com aquela oração e que as duas minúsculas hastes de madeira não passavam de meros fornecedores de um odor agradável, ali depositadas pelo próprio fabricante.

Para alguns crédulos, dentre os quais jamais estive inserido, aquela oração era capaz de trazer alguém de volta, ou tinha poderes, para manter sempre uma pessoa unida a outra, por uma força oculta e inexplicável. E, por extensão, para quem se achava sob a emoção de uma súbita desconfiança, o óbvio seria concluir que os dois palitos, amarrados entre si, representavam os dois namorados, que seriam inseparáveis. 

Muitos anos decorreram após esse episódio. Confesso que, ainda hoje, aprecio aquele perfume e que, sem nenhum preconceito ou superstição, acho interessantes aqueles dois palitinhos amarrados, concedendo ou acentuando a fragrância das madeiras do Oriente. 

Texto extraído do livro "Uma Janela para o Passado"