domingo, 13 de outubro de 2024

MEU GRUPO ESCOLAR

Por José Maria Trévia 
(Escritor Camocinense)

Naquela manhã, do mês de janeiro de 1954, eu e meu irmão Carlos Augusto seguíamos em direção à Praça da Matriz, em companhia de nossa irmã Maria José. 

Ela iria nos acompanhar até o Grupo Escolar José de Barcelos, que funcionava no andar térreo do vetusto prédio da Prefeitura Municipal de Camocim, no centro daquela praça. Tínhamos, respectivamente, seis e oito anos, e estávamos sendo ajudados a nos ambientar, na chegada à Escola, no nosso primeiro dia de aula, ao sermos deixados à porta da sala. 

O novo ambiente, bastante extenso e desconhecido, poderia nos causaria algum impacto, mais precisamente a mim, considerando que, até então, havíamos estudado apenas em “escolinhas particulares”, um sistema existente em nossas cidades interioranas, consistindo em que as professoras ministravam aulas, em sua própria residência, para meia dúzia de alunos. Eu estava muito vaidoso em minha farda, calça azul e camisa branca. 

Para os calçados, não havia um padrão, o que fazia com que, eu e meu irmão estivéssemos, quase sempre, com alpercatas de couro.

Nós dois ficamos estudando na mesma sala, no Primeiro Ano Fraco, mas o Carlos Augusto foi, a partir de agosto, elevado ao Primeiro Ano Forte, por ter alcançado melhor desenvolvimento. A nossa Professora era Dona Lígia, um amor de pessoa e mestra. 

Ela tinha um afeto especial por mim e eu alimentava isso, quando me colocava à disposição dela para ajudá-la a levar suas bolsas, com o material escolar, para sua casa. Os outros meninos, talvez enciumados, diziam que eu estava “chaleirando”, um termo bastante usado na época, no sentido de “puxando o saco”. Às vezes, Elisabete Viana fazia dupla comigo, a fim de ajudarmos a Professora Lígia.

Acho que me adaptei no Grupo com bastante facilidade. Na verdade, o que mais me incomodou foi quando, no meio do ano, o Carlos Augusto foi transferido para outra sala. 

É que eu sentia sua falta, na minha sala. Lembro que a sua nova Professora foi a Dona Paula Moreira, que algum tempo depois casou-se com o Senhor Luís Carlos Belo Parga, então funcionário do Banco do Brasil, em Camocim, chegando a ser eleito, décadas depois, a Senador da República, pelo Estado do Maranhão.

Tenho recordação de vários colegas deste período de minha infância, citando, sem desmerecer os demais, Elisabeth Viana, Edmundo Fonseca Filho, Núfem Lopes, Paulo do Leocádio, os irmãos Paixão Boca de Surrão e o Paixão Boquinha, que não pareciam ser irmãos; e o Antonio Alberto da Paz, (o Totó), hoje Professor, em nosso Camocim.

Certo dia, a nossa Professora Lígia disse-nos que havia escolhido dois alunos (um menino e uma menina) para declamarem “uma poesia”, na sala. Os escolhidos foram a Núfem e eu, recebendo cada um, a cópia de um poema, distintos um do outro. Orientou-nos a que, como ainda não sabíamos ler, (apenas soletrávamos), buscássemos ajuda em casa. Evidentemente, eram versos simples e de palavras fáceis, escolhidos por nossa dedicada Professora Lígia.

À noite, eu mostrei para meu pai e ele confiou a incumbência para meu irmão Toinho: Ele lia e eu repetia, até que, em pouco tempo, aprendi a dizer, todos os versos, de cor.

Chegou, finalmente, o dia da estreia. Eu e Núfem estávamos lá, orgulhosos como os escolhidos para uma apresentação que suscitava tanta expectativa. Fizemos sucesso e lembro muito bem dos elogios que eu e Núfem recebemos. Os meus versos, ainda sei de cor, mas daqueles apresentados pela Núfem recordo apenas que falavam de “um pingo d’água que caía”, e ela repetia, enfiando o dedo indicador na palma da mão.

Em homenagem àqueles maravilhosos tempos, os versos por mim, recitados:

“Sou pequeno, mas sou forte; / Sou calmo, mas sou valente, / Por isso, fico zangado / se me chamam com agrado / de pedacinho de gente. / Falar grosso não me espanta, / careta não me faz medo / mas, se quero andar sozinho, / mamãe me chama bobinho / e meu pai diz que é cedo. Mas, se alguém me grita: Pixote! / Fico me rindo, pensando: / Sou pixote, mas impero/ papai só faz o que eu quero / E a mamãezinha o que eu mando”.

Sobre esses últimos três versos... Desculpem-me, a realidade não era bem assim, não.

De qualquer forma, deixo-os aqui, com o único objetivo de preservá-los para a posteridade, incluindo alguns versos das canções ou modinhas, que costumávamos cantar, transcritos nas próximas linhas.

Quando chegávamos à Escola, logo após adentrarmos a sala, todos de pé, fazíamos uma oração, sobre a qual eu dizia à minha mãe que a gente fazia uma reza comprida. Depois, cantávamos uma melodia, cuja letra era assim:

“Entramos agora em nosso jardim, / nós somos felizes em viver assim, / amar que é bom, vamos começar / o dia de hoje a rir e a cantar. / Que alegria vem do Céu, cai na terra e anda no ar, lá, rá, lá, lá”.

Antes de sairmos para o recreio, sempre de pé, cantávamos uma modinha:

“Chegou a hora de merendar, vamos comer, bem devagar, / chegou a hora de merendar vamos comer, bem devagar: / Lima, laranja e tangerina, / porque essas frutas aqui têm vitaminas”.

A última canção, no final da aula, antes de irmos para casa, já não lembro a maioria dos seus versos. Guardo somente os dois versos finais, fazendo alusão a que “sairíamos para casa, sem correr e sem gritar”. No entanto, o nosso procedimento era exatamente o contrário: saíamos em desabalada carreira, gritando “vou te pegar, Cavalo Seco e Boca de Surrão”, ou outros apelidos que nos vinham à cabeça.

Por que, então, não sentir saudades? Para mim, sempre valerá a pena.

Passando pelos bancos de outras Escolas e reconhecendo novos amigos, eu voltei para a mesma sala, sete anos depois, vestindo a farda do nosso Ginásio Padre Anchieta, no canto formado pelos lados Sul e Oeste, do Prédio da Prefeitura Municipal de Camocim.

Nos primeiros dias, após o três de outubro, já se iniciara a apuração do resultado das urnas nas eleições ocorridas naquele ano. No lado posterior do Prédio da Prefeitura, ficava a escadaria que dava acesso ao pavimento superior, onde funcionavam Prefeitura e Câmara Municipal. A apuração das urnas estava acontecendo exatamente nas dependências da Câmara Municipal. No final da aula, saíamos para as proximidades daquela aglomeração, para indagar: “Quem está ganhando?”

Durante alguns dias, à noite, A Voz de Camocim noticiava o placar dos votos apurados, em curtos noticiários denominados “A Marcha da Apuração”. Naquele ano, foi eleito para a Prefeitura de Camocim, o então deputado Murilo Rocha Aguiar, enquanto Setembrino Veras conquistava uma cadeira na Assembleia Legislativa. Evidentemente, eu não entendia nada de política, mas fiquei feliz, haja vista que meu, pai, àquela época, era “Cara-Preta”.

Posteriormente, as eleições passaram a ter o resultado de suas urnas apurado no pavimento superior da Estação Ferroviária de Camocim.

Texto extraído do livro "Memórias de um Saudosista"