domingo, 15 de dezembro de 2024

O MEDO DE JUCA

Por Avelar Santos* 

Juca era um mulato forte, galopando a idade do lobo, que, após deixar a farda da Marinha, sabe-se lá por que, certo dia deu com os taludos costados na cidade.

Gostou tanto daqui que resolveu ficar.

Prosador nato, de mão cheia, metido a boêmio, frequentava, com a regularidade da troca da guarda do Parlamento inglês, os cabarés e os bares.

Ele era um contumaz frequentador do Bar Avenida, situado perto da Praça da Estação.

Depois de alguns tragos da famosa cachaça POJ, uma floresta de piadas e "causos" florescia, sombreando tudo, provocando risos nos circunstantes daquele abençoado recinto.

Na verdade, Juca era um ser emblemático.

Munido de pouca instrução, palrava sem parar sobre assuntos diversos, muito embora não tivesse convicção daquilo que dizia.

Na mesma proporção que a embriaguez ia evoluindo, embotando o seu cérebro, Juca se metamorfoseava.

De eufórico, passava a quase indiferente, fitando vezes sem conta o vazio, com um olhar perdido.

Nesse momento o seu calcanhar de Aquiles ficava visível.

Bastava, para isto, algum cliente falar sobre alguém que partira para o andar de cima, que ele se persignava várias vezes, e, dizia, com uma voz engrolada, que, na vida, jamais tivera medo de nada, exceto o famigerado paletó de madeira.

Dizia aquilo com tanta clareza – e de forma tão verdadeira - que havia, sempre, um ouvinte que pedia que ele repetisse sua fala.

Juca não se fazia de rogado, e. com gestos teatrais, mostrava toda sua indignação quanto ao assunto supra – e o seu pavor particular em abotoar o tal casaco fúnebre.

Nessas ocasiões, era risível o seu discurso.

Depois de certo tempo ausente do meu torrão natal, eis que eu estou de volta

O País da Infância ficara para trás - e somente os ventos das lembranças me permitem vislumbrar fragmentos esparsos de sonhos daquele conhecido mosaico surreal da felicidade.

E, para surpresa minha, ao vaguear, certo dia, pelas ruas, buscando encontrar pessoas conhecidas, dou de cara com o Juca, estampando um cabelo nevado, entretanto com a mesma fisionomia, como se tivesse sido embalsamado vivo.

Olhei para ele, e aí, num átimo, percebi que o medo do Juca era humanamente compreensível, sendo agora, também, o meu maior medo.

Quando somos jovens, pensamos que somos eternos!

A morte é algo intangível, feita de encomenda para os mais velhos, menos para nós próprios.

Porém, caríssimos, quando navegamos acima da longitude 60 graus, que é o meu caso, percebemos a fugacidade da vida - e o quanto tememos a visita da madame feiosa e enfezada da foice e do martelo.

Com a alma cansada, eu aproximei-me do Juca, cumprimentei-o, e conversamos a fio.

Aflito, certamente leu, nos meus olhos, a mesma dor que ele carregava nos seus.

*Professor e Escritor Camocinense