Todas as manhãs, cedinho, tão certo como o nascer do sol, em bandos, lá estavam eles à cata de alimentos.
O que esses mendigos tinham de especial que me faziam acordar às cinco da matina para observá-los?
Alegres, saltitantes, sem cerimônia, devoravam todo o frugal repasto que os esperava à base de frutas.
Como eles não gostavam de uma recusa, mesmo que velada, eu resolvi ajudá-los, desde o dia em que os vi pela primeira vez no local.
Daí por diante, aprontava, à noite, alguma coisa para eles comerem, deixando o petisco coletivo no jardim de casa, na certeza de que o encontrariam e, assim, saciaria, por mais um amanhecer, a fome deles.
Mas quanto tempo isto duraria? - perguntava-me. Não saberia responder.
Ao que parece, até hoje, não enjoaram ainda da comida! Já se passaram alguns anos, e, eles continuam, toda feliz madrugada disputando, febris, a refeição cotidiana.
Encantado com tudo isso, jamais me cansei de admirá-los: pequeninos, mas de uma grande fibra, eles não esmorecem com nada, e, cantando em coro, qual orquestra afinada, vão e vem, pelas redondezas, sem se importarem se acordam os vizinhos mais preguiçosos, fazendo-os se levantarem logo da cama.
Os mendigos são tão inofensivos, que, se nos aproximarmos um pouco mais, deles, fugirão.
Como conhecem a índole dos seres humanos, eles não permitem uma maior aproximação, mesmo que ela seja bem intencionada.
Escorraçados, algumas vezes, de certos locais, seus sábios ancestrais baixaram normas de conduta para que eles pudessem viver mais.
Acho que aprenderam a lição! E mais! Não batem à porta de ninguém, por motivos óbvios. Portanto, não incomodam, de fato, o bem-estar de quem quer que seja. Pacientes, eles aguardam o seu café da manhã, cantando, perdidas canções que calam a alma.
Por ser defensor desses amiguinhos alados, serei, deles, porta-voz, embora não oficial. Ocorre que as pessoas, egoisticamente, fecham-se em seu mundo, e, cegos, não percebem a beleza à sua volta, que, mesmo agredida, tenta se recompor, a todo custo.
Não se sensibilizando com nada, nem mesmo com o espetáculo grandioso dos meus camaradas golinhas, sanhaços e sabiás, que voam livres pelos quintais, enfeitando todo abençoado dia meu pequeno jardim.
Com esses cavaleiros dos céus, aprendi que a fé em Deus nos ajuda a superar muitos desafios, que a paciência é o segredo dos fortes, que a esperança vence o medo, e que há sempre uma luz no fim do túnel, e, o arco-íris, enfim, pode ser alcançado.
Amanhã, estarei a postos, uma vez mais, da janela do meu quarto, para vê-los chegar, numa algazarra infantil, saudando, eufóricos, um novo dia.
*Professor e Escritor Camocinense