domingo, 16 de março de 2025

O PIQUENIQUE DO COLÉGIO

Por José Maria Trévia 
(Escritor Camocinense)

(Foto da Turma do 3º Ano Primário, no pátio do Colégio Batista de Camocim, em 19 de março de 1955. Da esquerda para direita, Airton Maciel, José Veras, Paulo Pinto, Nilo Carvalho, Professora Heseraíta Calderaro, Francisco Araújo de Souza, Antonio Trévia, Edvaldo do Hildo e Fernando Boi Velho)

Para mim, 1955 foi um ano em que tive passagens interessantes de minha infância e o privilégio de relembrá-las, principalmente relatando-as, a forma mais original que encontrei de senti-las nos meus dias atuais. 

A nossa Escola, minha e de meus irmãos, era o Instituto Batista Pinto Martins, que chamávamos Colégio Batista, instalado na Rua 24 de maio, antiga residência dos Senhores Louzada e José Carlos Veras, em diferentes épocas, um imóvel que já não existe mais.

Naquele ano, a nossa Escola programou um piquenique na vizinha cidade de Granja, especificamente na Lagoa Grande, bem próxima à Estação Ferroviária, na periferia da cidade. O transporte seria o velho trem, um vagão fretado especialmente para os alunos, com uma faixa indicativa na lateral e atrelado à composição regular que seguiria até Sobral, e estaria de volta ao final da tarde.

Para os jovens, em número significativo na comitiva, havia mais opções de divertimento pelo próprio entrosamento e criatividade. Havia o banho na Lagoa, bolas e outras brincadeiras. 

Para os pequenos, as alternativas eram limitadas. A Lagoa era funda, e estava cheia, naquele final de inverno; não havia boias, o que tornava a liberdade perigosa. Contudo, para mim foi um sonho inesquecível, pois as limitações existentes não anularam as minhas expectativas.

Meus colegas de sala de quem lembro muito bem foram: Carlos Vasconcelos, Amilton Maciel, Pedrinho, Carlos Augusto (meu irmão); Wilson e seu irmão Raimundo Aragão), Antonio e Joaquim (irmãos, filhos do Senhor Quincas Carteiro), e Plínio. Havia, apenas, duas meninas em nossa sala, do Primeiro Ano: Zaíra Veras e Elizete Macário.

Recordo a nossa alegria durante os preparativos, tanto na Escola como em casa. Minha mãe preparou uma deliciosa Galinha à Cabidela, como ele bem sabia fazer. Juntou o arroz solto, como ela sempre preparava, com banha de gado; e não esqueceu a gostosa farofa na delícia da cabidela. 

Ela despertou ainda de madrugada e colocou tudo numa lata, para os quatro filhos: Toinho, Maria José, Carlos Augusto e o menor do grupo, que era eu, já que o caçula Francisco tinha apenas quatro anos. Era realmente um piquenique original, como indicava a tradição: Era no campo, havia algum lazer, pessoas que tinham alguma relação de amizade e, principalmente, cada qual levava o seu lanche ou almoço.

O trem partia antes do amanhecer, e com o escuro já estávamos na Estação, quando o sino ainda não anunciara sequer a primeira chamada. 

Era bom encontrarmos os colegas em lugar diferente e todos sem aquela farda, que inspirava rotina e obrigação. Depois da partida, logo estaríamos em Granja, haja vista termos, apenas, 24 km de linha férrea pela frente.

Em Granja, morava bem próximo à Estação, um casal de Missionários Evangélicos Americanos, que tinham vínculos de amizade com o nosso Diretor, Dr. Edson e sua esposa D. Glaúcia, também evangélicos. Saímos todos a pé, para a Lagoa Grande, enquanto nossa bagagem era transportada na Pick-up Americana do Missionário.

Na Lagoa Grande não encontramos nenhum banhista. Parecia reservada somente para nós. Havia uma casinha de taipa, desocupada, que havia passado por uma limpeza para a família do Dr. Édson, com suas duas crianças, inclusive um bebê. No oitão desta casa, foi o local reservado para colocarmos nossos pertences, inclusive nossa lata do almoço.

Fomos em busca de novidades ou de nossas brincadeiras. De uma forma ou de outra, o tempo passou rápido, até que, próximo ao meio-dia, recebemos orientação para irmos todos almoçar. Estávamos todos famintos e fomos dividir o delicioso almoço preparado pela mamãe. 

Ao abrirmos a lata, que decepção. Verificamos que alguém, com bastante antecedência, ali almoçara com muito apetite. Quase nada restou da galinha, uma asinha, dois pedacinhos de costelas; da farofa, só dois punhados; do arroz restara um pouco mais. Dividimos e comemos.

Uma ou duas horas depois, retornamos a pé para nos concentrarmos em frente à casa do Missionário, onde estaria a nossa bagagem. Ao chegar, logo vi o colega de sala Raimundo Aragão, chorando copiosamente, dizendo que o seu pai iria brigar muito com ele, ao chegar à sua casa. O motivo de sua preocupação e lágrimas era o desaparecimento de seus sapatos. Mas, ele teve mais sorte que nós. Os sapatos apareceram logo depois.

De volta a outras passagens de nossa Escola, lembro que a professora tomava a lição dos alunos, cada um com o seu livro aberto na página indicada. Um aluno iniciava a leitura até que ela mandasse parar e indicasse o nome de outro para continuar. 

Houve uma gozação com meu irmão Toinho, em uma dessas tomadas: Ele acompanhava, atentamente, mas sem a percepção de que não era o momento de manter um bombom na boca. Inesperadamente, foi chamado e assustou-se, levantando-se de vez. 

O bombom não acompanhou a sua boca e desceu, ficando preso na garganta. De pé, engasgado e aflito, estirava o pescoço, e emitia sons: “Glu uu, glu uu, glu uu”, e apontava com o dedo indicador para a boca, tentando explicar que havia um bombom na garganta. Por sorte, um colega ao perceber o que se passava, deu-lhe uma pancada com força, nas costas, e o bombom foi cair em cima da carteira da frente. Risada geral.

Entretanto, não obstante a impossibilidade da leitura, os risos e a pequena confusão que causara o bombom, ou melhor, o Toinho, este não foi prejudicado em sua nota ótima como era seu hábito. Não pelo bombom, mas pelo bom aluno que era e, principalmente, por ser “peixinho” da Professora. Pela foto, já se pode perceber.

Texto extraído do livro "Memórias de um Saudosista"