sábado, 26 de abril de 2025

UM BEIJA-FLOR PREGUIÇOSO

Por Avelar Santos*

Quisera eu ser um beija-flor! Eita que vidão! De manhãzinha, até o Sol ir dormir, saindo sem rumo, por aí, beijando flores diversas, belas e perfumadas, colhendo novos amigos, filmando novas paisagens, sem preocupação alguma com relógio ou livro de ponto.

Quando cansasse de sugar tanto néctar, e de bater asas à toa, fazia igual ao beija-flor do Sítio Samaris: simplesmente escolhia uma árvore bem frondosa e, num galho qualquer, pararia um pouco a labuta e olharia mansamente o mundo girar. Ficaria ali, quietinho, guardando minhas energias glicosadas até que me desse na telha novamente de esticar pernas, digo, asas, pela amplidão dos céus.

Como infelizmente não sou um colibri, fico cismando, sozinho, cá no meu imorredouro refúgio ecológico, admirando uma dessas pequenas aves, do tipo preguiçosa, bem ao meu estilo, que escolheu um jovem pé de graviola como dormitório exclusivo seu. 

Não muito dado a extravagâncias, talvez com medo de ser sequestrado ou cair, descuidado, em qualquer arapuca, ele vai levando a vida numa boa : um beijo aqui, outro ali, a flor seguinte sorri dengosa, e ele, solícito, pimba, quer dizer, beija-a também... e... para. Volta correndo para o seu local predileto e fica um bom pedaço de tempo matutando sobre a vida.

Talvez, ao olhar em derredor, veja-me eu me  balançando,  despreocupado, em uma velha rede de tucum, no alpendre de minha casa, e sonhe em ser um humano... Beijar mulheres aqui e ali, seduzir-se por outras de vistosas cores... "Eita que vidão", ele deve pensar.

E sussurrando: - “Vida maneira é desse homem aí: deitado, tranquilo, com comida na mesa, quando bem quer, roupa lavada... Nada de acordar cedo e se cansar beijando infinitas flores para sobreviver”.

E eu, lá do meu cantinho, olho para ele penalizado e replico: - Ah! Sr. Beija- Flor ! O que escuto? Está louco, amigo! Não sabe definitivamente o que diz! Acordo, às vezes, muito antes que o Astro Rei. No mais dos dias, pasme você, não tenho tempo sequer de fazer um pálido e franciscano desjejum. Visto-me às pressas, e, já vou para o trabalho. 

O chefe, como todo boss, é imprevisível. Assim, tenho que adivinhar se está ou não de bom humor. No segundo caso - 99,9% - é um pisar em ovos que até calo faz. Por isso, caríssimo colibri, continuo pensando alto, eu lhe exorto: Não queira ficar no meu lugar.

O beija-flor, por sua vez, parece dizer-me: - “Hummm! E você, meu camarada, tenha juízo, contente-se com o que é. Ser beija-flor é dureza. Mesmo para mim que sou preguiçoso! É um trabalhar contínuo que até deixa a gente zonzo”.

Dada a loquacidade do meu amigo alado, tecendo com rara competência os pensamentos, fico um pouco absorto, ouvindo o eco de seus sábios conselhos.

E, de repente, como para me dissuadir de vez de toda aquela parvoíce, ele sai em disparada, batendo as asas freneticamente, beijando sôfrego cada flor que encontra pelo caminho - e some de meu raio de visão.

Fiquei então pensando devagarzinho: - É, acho que ele tem razão. Mesmo com papagaios verde-amarelos gigantes a cobrir, enchimento de minha curta paciência, na repartição, pessoas bisonhas, aqui e ali, a aturar, moinhos de vento a desafiar, tudo vale a pena. Mesmo, plagiando ao contrário o grande Fernando Pessoa, se temos a alma pequena.

Sorri, depois de uma cascata de anos. Então, prazerosamente, desamarrei a velha rede, guardei-a no fusquinha amigo de todas as horas - e rumei para casa.

Na saída, amigo leitor, o que vi? O colibri, todo empertigado e feliz, polidamente me acenando...

 “Ah! Mundo vasto mundo! 
Se eu me chamasse Raimundo
Seria uma rima
Não seria solução...!”

Puxa! Drummond tinha mesmo razão!

*Professor e Escritor Camocinense